Thássia
Moro
Era tarde de domingo de primavera,
exatamente 15:33. Um dia comum, como a maioria dos dias. As flores no jardim
davam a falsa impressão de comodidade, eram belas, coloridas e se espremiam por
um espaço ao sol no pequeno canteiro ainda não revirado. Lá estava ela, sentada
a beira do jardim, mexendo nas flores. Parecia destoar da paisagem, a rua em
movimento, mas calma, e ela lá em seu canto costumeiro, ia sempre revirar o
jardim do prédio. Ele a observava, cheio de interesse e uma espécie de
desprezo. Parecia louca, perdida em pensamentos. Não sabia até hoje por que
nunca ninguém havia a impedido de mexer em um ambiente da área comum, será que
pensavam que ela o arrumava? Para ele parecia que ela o deixava em pedaços toda
vez que se sentava ali. De um lado para o outro, a cabeça em movimento, como
uma dança que só ela sabia.
Ela era a vizinha de algum andar,
não sabia ao certo qual, cruzará uma ou duas vezes nas escadas e no hall.
Parecia que nunca pegava o elevador. O prédio não era alto, nem haviam tantos
apartamentos, mas não sabia qual ela morava. Tentará indagar o porteiro, mas de
tão distraído ao futebol e a vida alheia, temia ser mais um assunto na seleta
lista fofocas dos condôminos. Preferia a descrição.
Nunca trocara uma palavra, nem bom
dia, nem boa tarde, muito menos boa noite. Nunca a vira de noite. Apenas uma
vez se entreolharam, simples. Olhos escuros, profundos. Cabelos negros,
ondulados como o mar, bonita feito uma oferenda a Iemanjá. Era assim que
gostava de imaginá-la. Perdia-a pela rotina, mas quando chegava domingo
tirava-a dos devaneios e das gavetas do cotidiano. Quando chovia ela não vinha,
sumia feito fumaça. Uma nuvem de comparações. Gostava do céu aberto, do sol na
pele. Branca feito uma nuvem de dias de verão. Nunca se escondia dos raios, por
mais fortes que fossem, eles pareciam não se arriscar a machucá-la, não ficava
vermelha, nem bronzeada. Talvez um pouco corada, mas de longe não podia ter
certeza, apenas imaginava.
Em tempos normais teria descido e tirado
ao menos duas palavras daquela boca, mas hoje não. Talvez na próxima semana.
Perderia o ângulo do balançar silencioso da cabeça em seu vai e vem enquanto
retirava uma planta morta, uma erva daninha. Intitulara como uma contemplação.
Algumas vezes colocava uma música ao fundo e passava horas observando-a. Um
sorriso no canto do lábio, pequeno. Como se a conhecesse, como se permitisse o
momento de solidão e prazer que a mantinham naquele jardim.
Algumas vezes achava que ela
plantava e arrancava a mesma flor repetidas vezes, mas quando passava
observando no outro dia notava que não, ela apenas abria o espaço para os
pequenos brotos nascerem.
(Continua...)