-Essa tal de vida me deixa encontrar vestígios da pequena solidão do meu tempo. Eu passo os dias vivendo as horas com suas datas marcadas, seus compromissos fixos, seu calendário egoísta. Faço contas para não me atrasar, pago as contas atrasadas, deixo sempre para outro dia trocar a lâmpada da varanda. Talvez seja porque eu prefira a luz do sol entrando lá todo dia, talvez seja porque eu não acho esse tal de tempo no meu dia para pequenos afazeres.
Não preciso de ninguém ditando minhas horas, controlando meus horários, essa tal de vida faz isso por mim. Horário de chegar, de sair. Prefiro a confusão que sou, pena que ela nunca se imponha. Faço promessas ao relógio, mas meu tempo se confunde com o dele. Essa tal de vida é um despertador desfigurado que sempre toca uma hora antes do que deveria, mas que nunca se atrasa, nem pára.
Espero terminar meu capítulo antes que comecem a me regular, antes que eu comece a me regular. Queria saber contar coisas sobre a vida das pessoas em que o tempo não fosse necessário, mas é tão difícil. Ele é a única certeza que temos de que essa tal de vida segue e corre na maioria das vezes, mesmo quando você praticamente implora para ela ir mais devagar.
Repousou a caneca sobre a mesa e respirou profundamente.
-Não preciso dele. Necessito dele. Responsável pela chegada dos meus cabelos brancos, pela minha constante olheira matinal. Essa tal de vida desconta esse não querer de queres do correr das horas em tardes de domingo regadas a azedumes e filmes burocráticos sobre vidas com céu azul e finais felizes. Balela!
Deu uma leve olhada no jornal de dois dias atrás e permaneceu no jardim o dia todo só para contrariar sua agenda e teimar ser independente dessa tal de vida.
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