Era
domingo, mais um domingo. A família estava toda reunida, as sobrinhas, minha
filha que viera com seu marido insuportável, minha neta e, sua espécie de
namorado. Eu, François Oliveira, sempre estive cercado por mulheres. Era o homem
da casa, sem dúvida. Quando me casei com Margarida, no dia 15 de novembro de
1970, um dia escolhido por mim, não sabia que meu destino continuaria reservado
a elas. Tive uma filha e apenas sobrinhas.
Alistei-me
no exército, me casei, tornei-me professor de português. As letras sempre foram
minha paixão. Lecionei por quase 35 anos, pois considerava que era na juventude
que podíamos formar o caráter das pessoas. Esse sempre foi meu objetivo de
vida, formar cidadãos conscientes e instruídos. A política era minha segunda
paixão, votei em todas as eleições, coleciono todos os comprovantes, estão na
terceira gaveta do quarto, ao lado das minhas medalhas do exército. Não
acreditava que a boa parte das pessoas desse país não desse atenção a política.
Nunca deixei de introduzir o assunto em todos os locais onde frequentei. E a
mesa do almoço de domingo era um desses locais favoritos.
Melissa,
minha neta, tinha trazido seu namorado para nós conhecer. Ele tinha cabelos
longos demais para um rapaz de bem, usava colares e pulseiras suspeitas e, pior
de tudo, usava um brinco de cigana. Ainda suspeitei que tivesse visto uma
tatuagem pela manga de sua camiseta, mas achei que poderia ser apenas sujeira
devido às condições de sua aparência. Eu o encarei com minha expressão mais
dura, Melissa remexia as mãos sobre a mesa desconcertada. Joana, minha filha,
tentava tirar o foco do garoto, mas eu não dei o braço a torcer. O banana do
meu genro agia como se tudo aquilo fosse normal. Ofélia, minha irmã mais nova,
quebrou aquele instante falando:
_
Vocês viram as fotos da confusão da greve dos motoristas de ônibus? – disse, me
fazendo virar o rosto pela primeira vez.
_
Acho um absurdo. Esses vagabundos atrapalham a vida das outras pessoas com
esses movimentos infundados, patrocinados por essa esquerda medíocre que
assumiu esse país – lembro-me dessa fala, utilizava-a com frequência.
Vi
pelo canto do olho que Melissa revirou os olhos e fitou o namorado. Pela sua
expressão ele se segurava para dizer alguma coisa. Encarei-o e disse:
_O
senhor dos cabelos e brincos de mulheres quer dizer alguma coisa? – o garoto me
encarou sério, aquele velho olhar de petulância que todo jovem mal educado possuía
e que eu conhecia bem.
Ele
se levantou, se despediu e saiu da mesa, com Melissa ao seu encalço. Todos se
entreolharam e me encararam. Aquele olhar que já estava associado à maioria dos
almoços de domingo. Esse olhar que sempre me acompanhou. Sempre achei um
triunfo levá-lo comigo e ainda o levo como prêmio, mas não mais de vitória.
Era
domingo, mas não havia almoço, nem as meninas. Apenas eu, aquele olhar e as
plantas frescas e coloridas do jardim. Aquele colorido incomodo que envolvia a
placa de entrada: casa de repouso solar das bromélias.