Benoit Courti
Tarde
de terça feira, três e quinze. O velho relógio sem pilha continua no mesmo
lugar, apontando a mesma hora de ontem, antes de ontem. Estou sentado em minha
velha cama, toda preenchida por furos e cinzas. Nunca tive um lençol branco,
desde que Ana se foi, que durasse mais de um dia sem se tornar amarelo ou
cinza. A TV em um canal aleatório, um telejornal qualquer, não sei. Pego mais
um cigarro, fumo em três tragadas. Deixo-o de lado, tiro mais um.
Já
são quase cinco da tarde, o dia começa a ficar sonolento pela janela. Eu começo
mais um maço. Não sei mais se é o quarto ou o quinto. Calculo meu tempo pela
quantidade de bitucas espalhadas pelo chão.
Desde
que me aposentei e Ana partiu, não passo um só dia sem fumar. Cada tragada traz
um pouco da vida que vivi, ou acho que vivi. Nem me lembro mais. Ana sempre
dizia, com sua doce cara raivosa, “meu velho tire esse cigarro da boca, isso
vai te matar um dia”. Mas ela foi primeiro e não fumava.
Já
são oito horas, fumo meu último cigarro, tomo meu primeiro e último gole desse
whisky barato que guardo na gaveta. Limpo as bitucas da cama, me preparo para
mais uma tragada. Fecho os olhos e espero mais um dia, o último. Solto
levemente a fumaça da certeza de minha decisão, a mesma que corrói e me traz
mais para dentro da última tragada da minha vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário