quarta-feira, junho 18, 2014

Solar das bromélias

Era domingo, mais um domingo. A família estava toda reunida, as sobrinhas, minha filha que viera com seu marido insuportável, minha neta e, sua espécie de namorado. Eu, François Oliveira, sempre estive cercado por mulheres. Era o homem da casa, sem dúvida. Quando me casei com Margarida, no dia 15 de novembro de 1970, um dia escolhido por mim, não sabia que meu destino continuaria reservado a elas. Tive uma filha e apenas sobrinhas.
Alistei-me no exército, me casei, tornei-me professor de português. As letras sempre foram minha paixão. Lecionei por quase 35 anos, pois considerava que era na juventude que podíamos formar o caráter das pessoas. Esse sempre foi meu objetivo de vida, formar cidadãos conscientes e instruídos. A política era minha segunda paixão, votei em todas as eleições, coleciono todos os comprovantes, estão na terceira gaveta do quarto, ao lado das minhas medalhas do exército. Não acreditava que a boa parte das pessoas desse país não desse atenção a política. Nunca deixei de introduzir o assunto em todos os locais onde frequentei. E a mesa do almoço de domingo era um desses locais favoritos.
Melissa, minha neta, tinha trazido seu namorado para nós conhecer. Ele tinha cabelos longos demais para um rapaz de bem, usava colares e pulseiras suspeitas e, pior de tudo, usava um brinco de cigana. Ainda suspeitei que tivesse visto uma tatuagem pela manga de sua camiseta, mas achei que poderia ser apenas sujeira devido às condições de sua aparência. Eu o encarei com minha expressão mais dura, Melissa remexia as mãos sobre a mesa desconcertada. Joana, minha filha, tentava tirar o foco do garoto, mas eu não dei o braço a torcer. O banana do meu genro agia como se tudo aquilo fosse normal. Ofélia, minha irmã mais nova, quebrou aquele instante falando:
_ Vocês viram as fotos da confusão da greve dos motoristas de ônibus? – disse, me fazendo virar o rosto pela primeira vez.
_ Acho um absurdo. Esses vagabundos atrapalham a vida das outras pessoas com esses movimentos infundados, patrocinados por essa esquerda medíocre que assumiu esse país – lembro-me dessa fala, utilizava-a com frequência.
Vi pelo canto do olho que Melissa revirou os olhos e fitou o namorado. Pela sua expressão ele se segurava para dizer alguma coisa. Encarei-o e disse:
_O senhor dos cabelos e brincos de mulheres quer dizer alguma coisa? – o garoto me encarou sério, aquele velho olhar de petulância que todo jovem mal educado possuía e que eu conhecia bem.
Ele se levantou, se despediu e saiu da mesa, com Melissa ao seu encalço. Todos se entreolharam e me encararam. Aquele olhar que já estava associado à maioria dos almoços de domingo. Esse olhar que sempre me acompanhou. Sempre achei um triunfo levá-lo comigo e ainda o levo como prêmio, mas não mais de vitória.

Era domingo, mas não havia almoço, nem as meninas. Apenas eu, aquele olhar e as plantas frescas e coloridas do jardim. Aquele colorido incomodo que envolvia a placa de entrada: casa de repouso solar das bromélias.