terça-feira, fevereiro 15, 2011

Eu sei, mas não devia

"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma."



Marina Colasanti

(1972)

Texto do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.






quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Vejo folhas verdes ao redor. Um dia quente, porém nublado. O ócio inspirador bate a porta. Uma folha em branco ganha toques de frescor.

Sentado ao lado de uma garrafa d’água e aos pés o chão. Como voar em tinta negra sem tirar o peso das costas? Dois gatos ao redor dormem como se esse dia fosse o último, mas é somente mais um dia.
A vontade de se libertar se contrasta com o medo de não conseguir. O não é eletrizante, te prende, te move, te sufoca te liberta. A cada dois nãos um sim.
É não adianta nem tentar, você foi pego. O peso que te mantém no chão é o que te sufoca aos poucos. Talvez o momento seja de parar de refletir.
Sempre nessa época do ano, na qual o sol escalda e o vento inspira, os momentos são mais intensos. Essa sina de intensidade ainda nos comove me leva a imensidão, aos sentimentos que convivo diariamente. Ao passo que mergulho, não quero mais voltar. Ao passo que me engole não quer mais me soltar. E lá vamos nós de novo.

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Em busca da semente perfeita

A felicidade é algo tão relativo e ao mesmo tempo tão próximo que muitas vezes pensamos que seja distante. Não acho que ser feliz seja tão irreal assim, existem muitas formas de se viver feliz sem nem ao menos ter um terço de tudo que desejamos. Temos nossos sonhos, nossas metas e planos, mas será que é realmente necessário desperdiçarmos nosso valioso tempo procurando uma coisa que está ao nosso lado?
Claro que muitas vezes nossas economias e padrões não são o esperado, entretanto sabemos que com aquilo podemos viver bem. Muitas vezes aquele sonho de novela que tanto buscamos em nossas casas, nossas roupas e coisas seja o ideal para viver confortavelmente, mas o conforto é tão relativo quanto à própria felicidade. E você pode estar se perguntando o porquê relacionar felicidade com sucesso financeiro, por duas únicas razões: você pensa assim e você não foge disso. Não existe como ser hipócrita o suficiente para dizer que quando você pensa em felicidade, você não pensa no seu presente, idealizado no futuro de maneira melhor e que, consequentemente, conclui em uma vida tranquila em que você não precise ficar se privando de nada. Isso é fato.
Porém, felicidade não passa somente por essa via. Existe uma parte da tão sonhada felicidade que fica bem longe do viés financeiro. Você precisa ser feliz na sua vida pessoal. Amigos, amor, família. Suas relações pessoais são fundamentais para uma felicidade plena(se realmente isso for possível). Ter um filho, reunir os amigos, plantar uma árvore na escola, observar nuvens com amigos, ensinar algo para seu filho, seguir um ideal coletivo, amar e ser amado. Todas essas coisas são essências para se obter felicidade.

"A felicidade é uma gama de emoções ou sentimentos que vai desde o contentamento ou satisfação até a alegria intensa ou júbilo. A felicidade tem ainda o significado de bem-estar ou paz interna."
Sua felicidade depende de um universo de desejos e sentimentos que não somente envolvem você, mas todos que o rodeiam. Ninguém é feliz vendo outro sofrer, ninguém sorri quando o outro está triste. Por isso é tão importante se manter perto daquilo que te conforta que te aproxima. A palavra aproximação é linda, pois te reconcilia, te aproxima das pessoas, de coisas boas. Uma aproximação é tão importante, em todos os aspectos, que se metade do mundo se desse conta disso talvez não tivéssemos vivendo em uma constante revolta.
Sua busca por felicidade é coletiva. Seus sonhos são seus, mas não se realizam sozinhos. Você sempre precisa de algo ou alguém para compartilhar. Partilha outra palavra essencial.
A felicidade é constante se você souber partilhar, dividir, aproximar ela das pessoas e do mundo. Continue buscando, mas não se esqueça de semear em cada campo um pouco do seu melhor, pois quem colher irá saber que sua presença foi importante.

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

2.0

Um aniversário sempre é uma data especial, geralmente você já acorda esperando novidades. Ser lembrado por todas as pessoas importantes, algumas até de épocas bem longínquas. Apesar de ser mais um dia que, geralmente, não irá passar mais rápido que o dia anterior, ou o próximo que virá, ele sempre vai ser o seu dia.
O fato de ter um dia para chamar de seu é mais uma brilhante invenção da humanidade para constatarmos que somos amados, ou esquecidos. Entretanto, não culpemos aqueles que nos esquecem, talvez as próprias circunstâncias rotineiras os impeçam de parar e olhar o calendário, eu mesma me perco no tempo.
Reunir amigos em casa, atender vários telefonemas fazem com que você se sinta bem o resto do dia e são esses votos que o mantém vivo por um bom tempo. Acho que a maior graça de se fazer aniversário é pensar que você passou mais um ano de sua vida colhendo sonhos para mais uma vez plantá-los.
A cada novo dia um recomeço, a cada novo ano um fim de vida, a cada aniversário um novo sorriso, a cada bom dia um mesmo sonho. A reunião de diversos sentimentos faz com que certas incertezas se tornem normais. Um aniversário é um misto de todas essas incertezas unidas às diversas passagens da vida.
A velhice é relativa, um sentimento não. Um novo ano, um novo sol, uma nova década. E que venha os 21!