quarta-feira, março 16, 2011

A janela da interrogação

Ao ser humano eu dedico um momento de reflexão. Seu egoísmo é um sufoco que além de perturbar te questiona. Quem dera o mundo fosse mais questionador. O egoísmo que me liberta abre as portas do crescimento.
Enquanto alguns lutam, outros padecem, enquanto você se sufoca, outros respiram. E o relógio do meio dia não anda.
Ontem, tive um dia difícil. E as dificuldades que me cercam me fazem padecer. Não questiono minha janela, meu lençol. Meu travesseiro é um campo minado.
As letras correm pelos vãos. Seus dedos em minha mente me prendem a três ideais. Além deles só o supremo.
A supremacia do questionamento me intriga. Quero ser grande, quero voar. Mas só voar não é suficiente.
Ao passo que me contento, me lamento. Diminuir seus problemas não os isenta deles.
A janela ainda está aberta, o vento ainda sopra. A brisa de outrora é tão distante quanto à nuvem perdida. Essa nuvem que de tão duradoura preferíamos que fosse tão ligeira. E foi.
A nuvem atual se inicia por detrás da cortina, o azul certas vezes é cinza.
Questionar seu travesseiro não é ser maior. As suas respostas estão em você e em quem você se espelha. Através da janela vejo meu reflexo admirando meu eu interior. Meu inconsciente se transborda de imensidões e pensamentos. Questiono-me e me fortaleço. Repreendo-me e me supero.
A supremacia que me guia me conduz me ilumina. Minha janela ainda está aberta, o relógio do meio dia tenta andar.
O sol é o despertar de uma consciência, mas o sol ofusca. Sua consciência é imortal, você a deixa quando não mais está. A supremacia a faz questão de perpetuar.
A cada ideal fortalecido, concretizado me faz pensar que a antiga nuvem deixou rastros profundos. A nuvem que chega não combina com a cortina, talvez uma rosa melhore, talvez.
Já são duas da tarde. As duas novas casas passaram rápido demais. O que te lembra?
Questionar o tempo não te leva a controlá-lo. Eu quero a brisa que me alentava e me deixava mais perto. Quando eu fechar a janela ainda será dia, meu travesseiro já se prepara. A cortina já se fecha e meu reflexo continua intenso.
Quando cair na escuridão do questionamento, irei repassar esses momentos e talvez passe a crescer com eles, talvez precise de mais uma janela. Não seja egoísta, sua janela já é grande o suficiente.
O relógio andou mais oito casas, abrirei a janela e o sol não ofuscará, a nuvem estará na metade e a cortina não será tão ruim assim. Abrirei a janela.

segunda-feira, março 14, 2011

É dando que se recebe?

Estamos em tempos de montagem de governos. Há disputas por cargos e funções por parte de partidos e de políticos. Ocorrem sempre negociações, carregadas de interesses e de muita vaidade. Neste contexto, se ouve citar um tópico da inspiradora oração de São Francisco pela paz “é dando que se recebe” para justificar a permuta de favores e de apoios onde também rola muito dinheiro. É uma manipulação torpe do espírito generoso e desinteressado de São Francisco. Mas desprezemos estes desvios e vejamos seu sentido verdadeiro.
Há duas economias: a dos bens materiais e a dos bens espirituais. Elas seguem lógicas diferentes. Na economia dos bens materiais, quanto mais você dá bens, roupas, casas, terras e dinheiro, menos você tem. Se alguém dá sem prudência e esbanja perdulariamente acaba na pobreza.
Na economia dos bens espirituais, ao contrario, quanto mais dá, mais recebe, quanto mais entrega, mais tem. Quer dizer, quanto mais dá amor, dedicação e acolhida (bens espirituais) mais ganha como pessoa e mais sobe no conceito dos outros. Os bens espirituais são como o amor: ao se dividirem, se multiplicam. Ou como o fogo: ao se espalharem, aumentam.
Compreendemos este paradoxo se atentarmos para a estrutura de base do ser humano. Ele é um ser de relações ilimitadas. Quanto mais se relaciona, vale dizer, sai de si em direção do outro, do diferente, da natureza e até de Deus, quer dizer, quanto mais dá acolhida e amor mais se enriquece, mais se orna de valores, mais cresce e irradia como pessoa.
Portanto, é “dando que se recebe”. Muitas vezes se recebe muito mais do que se dá. Não é esta a experiência atestada por tantos e tantas que dão tempo, dedicação e bens na ajuda aos flagelados da hecatombe socioambiental ocorrida nas cidades serranas do Rio de Janeiro, no triste mês de fevereiro, quando centenas morreram e milhares ficaram desabrigados? Este “dar” desinteressado produz um efeito espiritual espantoso que é sentir-se mais humanizado e enriquecido. Torna-se gente de bem, tão necessária hoje.
Quando alguém de posses, dá de seus bens materiais dentro da lógica da economia dos bens espirituais para apoiar aos que tudo perderam e ajudá-los a refazer a vida e a casa, experimenta a satisfação interior de estar junto de quem precisa e pode testemunhar o que São Paulo dizia:”maior felicidade é dar que receber”(At 20,35). Esse que não é pobre, se sente espiritualmente rico.
Vigora, portanto, uma circulação entre o dar e o receber, uma verdadeira reciprocidade. Ela representa, num sentido maior, a própria lógica do universo como não se cansam de enfatizar biólogos e astrofísicos. Tudo, galáxias, estrelas, planetas, seres inorgânicos e orgânicos, até as partículas elementares, tudo se estrutura numa rede intrincadíssima de inter-retro-relações de todos com todos. Todos co-existem, inter-existem, se ajudam mutuamente, dão e recebem reciprocamente o que precisam para existir e co-evoluir dentro de um sutil equilíbrio dinâmico.
Nosso drama é que não aprendemos nada da natureza. Tiramos tudo da Terra e não lhe devolvemos nada nem tempo para descansar e se regenerar. Só recebemos e nada damos. Esta falta de reciprocidade levou a Terra ao desequilíbrio atual.
Portanto, urge incorporar, de forma vigorosa, a economia dos bens espirituais à economia dos bens materiais. Só assim restabeleceremos a reciprocidade do dar e do receber. Haveria menos opulência nas mãos de poucos e os muitos pobres sairiam da carência e poderiam sentar-se à mesa comendo e bebendo do fruto de seu trabalho. Tem mais sentido partilhar do que acumular, reforçar o bem viver de todos do que buscar avaramente o bem particular. Que levamos da Terra? Apenas bens do capital espiritual. O capital material fica para trás.
O importante mesmo é dar, dar e mais uma vez dar. Só assim se recebe. E se comprova a verdade franciscana segundo a qual ”é dando que recebe” ininterruptamente amor, reconhecimento e perdão. Fora disso, tudo é negócio e feira de vaidades.



Leonardo Boff

terça-feira, março 01, 2011

Não há silêncio que não termine

Voltando a ativa para deixar registrada uma recomendação minha sobre um livro que terminei de ler essa semana, “Não há silêncio que não termine – Meus anos de cativeiro na selva colombiana” Ingrid Betancourt. Um dos melhores livros que eu li nessas férias, se não for o melhor.
A autora conta toda sua saga durante seus sete anos sequestrada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A suavidade e a força que ela demonstra durante todo o livro é impressionante e muitas vezes cheguei a mergulhar em seu mundo e sentir em sua pele o terror, a revolta, o medo e a angústia de estar passando por um momento tão doloroso como aquele. O drama real é extremamente impactante. Confesso que chorei em várias partes, principalmente nos relatos dos momentos de solidão, incompreensão e saudades longe de sua família.
São de lições como essas que precisamos estar em contato diariamente. Superação a cima de tudo e muita força e honra em se manter firme aos seus ideais mesmo que sua condição de vida sejam extremamente surreal. Ingrid Betancourt já havia me encantado com sua entrevista no Programa do Jô no ano passado, sua força e sua garra me surpreenderam, mas depois desse livro percebi que seus valores haviam se multiplicado depois de tudo que passou.
Muito mais que uma lição de vida o livro se torna um conforto para nosso egoísmo rotineiro. Força e Honra. Eu recomendo.