sexta-feira, julho 22, 2011

Aos porcos, as flores artificiais

O ponto de interseção que te liga ao seu eu é tão denso quanto a curva retilínea do seu destino. Pregado a você existem pontos, voltas, somas e espaços.
Se sentia como um papel em branco prestes a ser demarcado, rotulado, manchado, traçado. Não por suas mãos, mas com as de quem a engolem. 
O peso do tempo já não é mais um preocupação estética, mas de essência. Carregar toneladas de frustrações e colocá-las em pequenas estórias hipócritas já não era um prazer como antes. Sentia vontade de cuspir nos que a prendiam na gaiola dos sonhos roubados, inventados, difamados, atormentados. 
Um passo adiante tão curto e tão distante quanto uma caminhada de dias na floresta. Preferia se conter, se manter, se conhecer. Aos 28 e não possuía autocontrole emocional. Já dizia o poeta ' a vida é uma intenso conhecer de si mesmo'. E quem era a vida? E conhecer a quem? Procurar o que? A dúvida e as incertezas são consumíveis até os dentes. Não existem certezas. E essa busca já não interessava mais.
Olhou pela janela e viu as primeiras gotas de chuva escorrerem pelo vidro, a tarde quente de verão e a janela fechada. Abafava seus sentimentos como se cozinhasse aquele prato preferido dele. O telefone não tocou aquela tarde, nem pela manhã. A noite precisava de um convite ao som ora perturbador daquela máquina com números, ora vital em dias em que a escuridão não seria remédio e sim veneno.

domingo, julho 17, 2011

O tum tum tum do vento

Entrou no carro, a cabeça em transe. Dirigiu sem olhar pra onde, sem saber o rumo. Seguiu adiante por diversos metros sem olhar pelo retrovisor, acabara de deixar para trás meio mundo e meio sonho. Percorreu ruas e avenidas e só se deu conta de que estava na rodovia quando avistou a ponte. Ligou o rádio e percebeu que os sons incomodavam, nada de melodramas, nada de batidas enlouquecidas de instrumentos que não existem, nada de som. Preferiu o barulho do vento batendo no rosto e do misto entre o carro e a sensação de se livrar de algo. Deixar de lado é diferente de abandono que é diferente de escolha. E foi feita a dela.
Quando notou que havia se passado um bom tempo desde a última conferida no relógio resolveu retornar para a cidade. A paisagem da volta não era mais a mesma, parecia que algo ali havia mudado. Ao descer do carro próximo a um belo jardim próximo da sua casa, sentou-se e recolheu algumas flores. As janelas precisam respirar o frescor da primavera. Trouxe-as para perto da sua preferida, ao lado da sala, com a vista privilegiada para as suas bromélias.
Ao cair da noite o telefone tocou. Era quem precisava ser naquele momento, mas quem não era esperado anteriormente. As coisas estavam mudando e a cabeça se esvaia em pensamentos que há dois dias eram impensados. 
Um convite para uma conversa. Conversas não precisam de convites, mas sim de impulsos, seja ele o primeiro, ou o último. Então foi combinado, ao pé da mesa do pequeno aconchegante restaurante perto da Lagoa.
Nesse momento a questão era o próximo passo.

quinta-feira, julho 14, 2011

Eis aqui a gaveta aberta

Em uma estreita e bucólica rua da cidade, ao lado de duas árvores que rodeavam a calçada morava um sorriso suave. Era uma tarde pacata de primavera, na qual as flores respingavam as gotas da chuva e cobriam o chão com um rosa leve.
No segundo andar de uma casa simples e muito bem decorada, a dona do sorriso suave se prendia em pensamentos e pequenas tarefas domésticas. A chuva molhando as plantas no jardim deram um descanso para o trabalho matinal de jardinagem.
Ao som de uma melodia que enchia a casa, a mulher dançava suavemente pelos cômodos, como se deslizasse pelas paredes. Uma vida simples em  sua suavidade completa.
Alta, não mais gorda, nem mais magra do que se vê pelas ruas. Cabelos soltos, negros, ora castanhos. Olhos ternos, intrigantes, azuis esverdeados. Pele cor de neve, vermelha em dias de sol. Passos largos, decididos. Nem sempre certeiros, mas adiante.

terça-feira, julho 12, 2011

Abre

Fecha. A gaveta se fecha e as sensações podem ser guardadas junto com as meias. Sem disposição de cores, formas e tamanhos. As brancas e as azuis, as de correr e as de sair. O sorriso no canto da boca deixou de dizer desculpa e começou a dizer bem-vindo.
O sol reluzia e a cada novo salto pelos cômodos da casa intrigava paredes e teto. Agora foi. Celular ao canto da mesa. Era dia no farol. O vai e vem dos carros na avenida não irritavam. E nem a noite mal dormida fazia questão de estampar as olheiras rotineiras. O tilintar dos pratos e talheres na confeitaria não abria espaço para a dor de cabeça. Era festa na cidade mais bonita. Foi aceita a primeira dama da Sapucaí e o samba se abria como dia de São João. Um chocolate meu senhor.