sexta-feira, outubro 28, 2011

terça-feira, outubro 25, 2011

Calendoscópio luminoso

Os ares mudaram de lado e a primavera pousou timidamente no canto esquerdo da janela, bateu duas vezes e ninguém abriu. Então, resolveu dar mais uma volta e depois pensar se entraria escondida por alguma fresta da porta, ou da janela do quarto.
Enquanto isso lá dentro o vento frio e persistente do inverno ainda rodopiava livremente, sem se preocupar se seu dia já havia passado.Estava mais preocupado em se manter gélido do que em migrar. Foi então que se deitou no sofá e tirou um longo cochilo, talvez de meses, anos, nunca se soube. O tempo das estações é inconstante em quem não as permite sair.
E a partir disso a noite passou a ser mais longa, escura e fria. Não havia meias suficientes na gaveta que contentassem uma longa noite que não tinha fim.
Lá fora a primavera rodeava os jardins, os telhados, passeava pelas árvores, mas sabia que seu lugar não era ali, resolveu procurar. Percorreu a imensidão do mar, sobrevoou com os pássaros e passou dias cantarolando a beira mar, mas ainda não estava completa. Não existe complemento perfeito, existem estações que nos chegam no momento oportuno. Por isso resolveu voltar e tentar mais uma vez.
A janela continuava fechada, mas a cortina já se abrirá, o sol entrava lentamente toda manhã e observava curioso quando se escondia atrás do outro prédio durante a tarde. As estantes se enfeitavam com a rude expressão do inverno repousando. Sono intenso e profundo. E então surgiu uma ponta de esperança e o verão enviou surpresas.
Primavera se encostou no vidro e respirou embaçando a janela, queria estar lá dentro, meu tempo é curto e não volto tão cedo, pensou consigo. Percorreu com os olhos o interior e viu o largo sorriso das plantas no outro extremo da sala quando a avistaram. Retribuiu com um aceno quase saudoso, daqueles que se repetem todo ano quando a despedida é certeira. A estação iria findar e a anterior nem havia saído.
Foi quando ouviu passos no corredor e assistiu pela janela o inverno ser acordado e varrido porta afora ao gritos. O vidro foi aberto e ao suspirar lento e caprichoso abriu alas para a estação virar e o tempo trocar de cor.
A folha do calendário caiu e os dias se passaram como antes, mas agora com certa cor.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Certo dia, em algum lugar


Por Rafael Sperling


       "Certo dia foi assim. Eu não existia e então passei a existir. Não existe uma explicação muito clara. Do nada, apareci. Mas acho que é o normal. As coisas aparecem no mundo e depois desaparecem, sem nenhuma explicação. Eu estou aqui e depois não estou mais. Deixo de existir e em algum momento volto a existir outra vez.
       Do nada, meu pai aparece. Ele diz "Oi" e depois desaparece. Isso quer dizer que num dado momento eu não tenho nem pai, nem nada, e que, durante três segundos, eu passo a ter pai, que me olha e diz "Oi", para logo depois sumir e as coisas voltarem a ser como antes.
       Volta e meia surge alguma outra coisa, como uma árvore ou um poste, mas essas coisas somem logo depois. Até o chão faz isso; passo a maior parte do tempo caindo num espaço branco vazio; diria que é complicado saber se estou caindo para cima ou para baixo, uma vez que não existe nada aqui, não dá pra ter muita noção desse tipo de coisa. Volta e meia, quando surge algum objeto, eu penso algo como "Ah, ele está vindo lá de baixo, portanto, estou vindo de cima". Mas logo depois surge outro objeto "caindo" numa outra direção, como se estivesse vindo da direita para a esquerda em relação ao objeto anterior, me confundindo novamente. Algumas raras vezes, o chão aparece. Caio nele, mas não me machuco. Geralmente não há nada, é um chão branco, muito limpo, aparentemente. Caminho um pouco sobre ele, aproveitando enquanto há chão para se andar. Até que, de repente, o chão some e passo a cair em alguma direção indefinida outra vez.
       Não sinto muita fome, uma vez que quase não gasto energia. Alimento-me das comidas que esporadicamente surgem perto de mim: frutas, carnes, ovos, doces.
       Sinceramente, às vezes me pergunto como sei o nome das coisas e suas funções. Desde que me dou por gente estou aqui caindo neste espaço branco, nunca ninguém me ensinou nada; aliás, nunca conversei direito com ninguém, pois as pessoas surgem e desaparecem misteriosamente — não há tempo de criar qualquer tipo de intimidade. Devo ter aprendido a falar (e pensar) com esses breves episódios de interação humana, além de alguns poucos livros que vieram parar por acaso em minhas mãos. Tive a oportunidade de ler algumas gramáticas e dicionários, de forma que pude juntar as coisas todas e começar a formular pensamentos lógicos, pois antes disso apenas pensava em palavras e ideias embaralhadas, e nos objetos errantes, até então sem nome, que passavam por mim.
       Gostaria de saber como vivem as outras pessoas: o que fazem, o que pensam... Será que vivem como eu, transitando de forma errante em sua solitária dimensão, isoladas umas das outras?
       Passo a maior parte do tempo pensando em como escapar daqui. Alguém que passou por mim, certa vez, disse que existem passagens para outras dimensões, e que se deve estar atento a elas. Também ouvi histórias de como é viver nelas, das suas cores, cheiros, objetos, leis. Existem algumas onde o chão é constante, pode-se caminhar sempre, ao invés de ficar caindo no vazio a maior parte do tempo, como no meu caso. Dizem que nessas dimensões é possível construir uma sociedade — algo que nunca pude ver de perto — onde pessoas convivem e, juntas, podem construir suas vidas e progredir.
       Já em outras, as pessoas nascem coladas. Cada pessoa possui outra colada nas suas costas; não necessariamente elas se dão bem, deve-se aprender a conviver em harmonia. As duas devem negociar a que lugares ir e que atividades realizar, uma vez que uma terá, obrigatoriamente, que participar do que quer que a outra decida. 
       Também existem as dimensões saturadas. Na minha, as coisas aparecem e desaparecem, de forma que existem, de fato, poucos objetos físicos. Nas saturadas, as coisas aparecem e nunca mais somem — os objetos vão surgindo e se amontoando, fazendo com que as dimensões se transformem num aglomerado de massa. Nessas dimensões, apenas alguns seres microscópios conseguem sobreviver; a tendência nelas é a extinção da vida por completo.
       Disseram-me que existem dimensões onde os seres nascem sempre dentro de outros. Alguns conseguiram se adaptar, mas no caso dos seres humanos isso não funciona. Quando um ser humano surge, ele causa a morte de outro. Dessa forma, a população humana dessas dimensões é extremamente reduzida, algo como três ou quatro pessoas apenas.
       Na minha dimensão é difícil dizer a quantidade de habitantes. As coisas são extremamente inconstantes por aqui. Como se pode obter dados estatísticos de um lugar onde a existência das coisas é instável? Algo que existe agora pode não existir daqui a cinco minutos; onde vivo não se pode contar com nada. 
       Estou me aproximando de um portal que atravessa dimensões. Esforço-me para me aproximar dele. Se houvesse chão agora, poderia caminhar até lá; ficar nadando no ar não está adiantando de muita coisa. Vejo que atrás de mim uma pessoa se aproxima em alta velocidade. Nos chocamos e sou lançado para bem longe do portal, enquanto que ela se aproxima; mas para seu azar o portal some diante de seus olhos; ele fica realmente triste e desesperado. Para a minha surpresa, logo depois a pessoa desaparece.
       Me pergunto para onde vamos quando não estamos aqui. É um pouco como se estivéssemos dormindo ou desmaiados; não consigo lembrar o que acontece quando sumo. Será que apareço em outra dimensão? É bem possível, pois li num livro que, em algumas dimensões, não existe a memória, ou pelo menos ela é muito curta, como a lembrança de um sonho que esquecemos logo após o despertar. De onde esses livros vieram? Não seria possível fabricar um livro por aqui, certamente vieram de outro lugar. Provavelmente esses livros desapareceram em outras dimensões e aqui ressurgiram — a não ser que alguém tenha cruzado um dos portais segurando um desses livros, o que é muito improvável, uma vez que, fazendo isso, aparecemos nus na outra dimensão; foi o que li certa vez. O problema é que não conheço ninguém que tenha cruzado um portal. Nem ninguém que tenha conhecido uma outra pessoa que já tenha feito isso. Sendo assim, é possível que a história dos portais seja apenas uma lenda, que eles não sirvam pra nada mesmo, e, quem sabe, que nem existam outras dimensões; talvez as pessoas necessitem de crenças injustificadas como essa para se manterem sãs...
       Os anos passam, nada me acontece. E nada posso fazer para que algo aconteça. Penso qual será o meu sentido de existir, tendo em vista que tudo que faço é apenas vagar nesse espaço vazio. Já estou quase morto; eternamente solto."

sábado, outubro 22, 2011

domingo, outubro 16, 2011

O que passou, passou


Paulo Leminski (Brasil)

O que passou, passou


"Antigamente, se morria
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.
Tinha coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que têm que morrer,
tinha coisas que têm que matar.
A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
e virar fotografia?
Ninguém vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Agora, vamos ao testamento.
Hoje, a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica."

quinta-feira, outubro 13, 2011

A cada palavra algo novo a aprender. A cada olhar um fio contínuo de esperança. A cada gesto uma certeza de que as paredes não irão cair. Seguir um exemplo é aprender a fazer a troca. E essa troca se torna constante quando você absorve os mínimos detalhes de um pensamento.
Se de uma certeza posso me vangloriar é que me foi enviado uma fonte de força e fé rotineira.
Amor, fé e aproximação. Passa a evoluir para Amor, Fé e Troca. Hoje e sempre a certeza de amanhecer fortalecida.