terça-feira, outubro 25, 2011

Calendoscópio luminoso

Os ares mudaram de lado e a primavera pousou timidamente no canto esquerdo da janela, bateu duas vezes e ninguém abriu. Então, resolveu dar mais uma volta e depois pensar se entraria escondida por alguma fresta da porta, ou da janela do quarto.
Enquanto isso lá dentro o vento frio e persistente do inverno ainda rodopiava livremente, sem se preocupar se seu dia já havia passado.Estava mais preocupado em se manter gélido do que em migrar. Foi então que se deitou no sofá e tirou um longo cochilo, talvez de meses, anos, nunca se soube. O tempo das estações é inconstante em quem não as permite sair.
E a partir disso a noite passou a ser mais longa, escura e fria. Não havia meias suficientes na gaveta que contentassem uma longa noite que não tinha fim.
Lá fora a primavera rodeava os jardins, os telhados, passeava pelas árvores, mas sabia que seu lugar não era ali, resolveu procurar. Percorreu a imensidão do mar, sobrevoou com os pássaros e passou dias cantarolando a beira mar, mas ainda não estava completa. Não existe complemento perfeito, existem estações que nos chegam no momento oportuno. Por isso resolveu voltar e tentar mais uma vez.
A janela continuava fechada, mas a cortina já se abrirá, o sol entrava lentamente toda manhã e observava curioso quando se escondia atrás do outro prédio durante a tarde. As estantes se enfeitavam com a rude expressão do inverno repousando. Sono intenso e profundo. E então surgiu uma ponta de esperança e o verão enviou surpresas.
Primavera se encostou no vidro e respirou embaçando a janela, queria estar lá dentro, meu tempo é curto e não volto tão cedo, pensou consigo. Percorreu com os olhos o interior e viu o largo sorriso das plantas no outro extremo da sala quando a avistaram. Retribuiu com um aceno quase saudoso, daqueles que se repetem todo ano quando a despedida é certeira. A estação iria findar e a anterior nem havia saído.
Foi quando ouviu passos no corredor e assistiu pela janela o inverno ser acordado e varrido porta afora ao gritos. O vidro foi aberto e ao suspirar lento e caprichoso abriu alas para a estação virar e o tempo trocar de cor.
A folha do calendário caiu e os dias se passaram como antes, mas agora com certa cor.

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