quinta-feira, dezembro 22, 2011

A geração do macarrão instantâneo


O presente, uma caixa pequenina onde cabe nossa manhã, nossa tarde, nossa semana, nosso mês. O presente no qual o agora, o instantâneo e o imediato são parceiros muito além de sinônimos. O passado é o ontem já distante, o futuro é o amanhã outrora longe, calculado, hoje anotado com dois, três rabiscos em uma agenda.
Rasgue a folinha do calendário e verá o tempo mais rápido. O tempo é constante, suas inconstâncias momentâneas é que fazem a sensação do seu relógio interno ser acelerado. Um minuto choveu, no outro escureceu, o sol saiu, ou é o inverso? Não sei, não tive tempo de olhar para o céu.
A geração do macarrão instantâneo nos consome. Século XXI computador em mãos, nos pés, nos olhos. Energia que se esvai perante o emaranhado de fios da sua mesa do escritório. Já dizia o poeta “o futuro a Deus pertence”, mas quem é Deus? Não sei, não tenho tempo para perder com fé. Fé, palavra erroneamente ligada a um passado, meu e seu, hoje.
Presente, dia a dia, presentismo dos nossos dias nos dão hoje: solidão, limites, prisão, paradoxos.
Entenda quem quiser, tire um tempo. 

sexta-feira, dezembro 16, 2011

Desorganizado mundo meu


A sensação. Paira como uma brisa afasta-se lentamente. Era tarde de domingo, tenso e densamente povoado. Pessoas ao redor causavam o reboliço de muitos passos, o som que vinha do andar de cima fazia seu cabelo arrepiar ao pensar do porque precisam caminhar pela casa toda?.”desOrganizado mundo meu” dizia a plaquinha que pendurara verão passado em sua última faxina de planos, papéis e sonhos.Sabe-se pouco sobre, mas nunca o suficiente para não buscar mais. A curiosidade das pessoas é como um sala cheia, não adianta você se mexer, alguém vai sempre estar esbarrando. E elas não deixam de lotar.
O almoço estava servido, no jardim corriam algumas crianças, primos distantes, nova geração enjaulada que ao ver o verde já se sentem livres. O resumo de poucas coisas tornara-se irreal demais para ela. Desejava que Paulo estivesse lá, dividir essas sensações de solidão e presença com alguém que pelo menos entendia os rodapés da sua vida.
As pessoas conheciam seu passado, sua infância, mas não seu presente. O presente mais próximo era a fofoca sobre o moço novo que rondava sua casa. ‘Ah esses vizinhos... ’ lamentava quando sua mãe indagava quem ele era. Disfarçava com um leve sorriso e logo se voltava para o jogo de futebol sob seu jardim. Que horas eram mesmo? 

terça-feira, novembro 22, 2011

Bom dia, dia

Hoje eu quero criar um dia em que o que eu plantei seja colhido, não mais só por mim, mas por cada um. Acordei pensando em como ficar deitado é bom, mas como levantar com disposição é melhor ainda. Renda-se ao seu dia, mas não como um lamento. O despertar é o começo.


sexta-feira, novembro 18, 2011

O senhor da razão está vendado


Nunca se leu, escreveu, compartilhou tanta intolerância na internet como nas duas últimas semanas. A explosão de falta de informação e pensamentos sordidamente alienados a respeito da invasão e dos protestos em uma grande universidade despertou e disparou com força o sinal de alerta. As pessoas não procuram saber a versão dos fatos, ou melhor, as duas versões dos fatos antes de espalharem, espancarem, metralharem argumentos e incitações de violência gratuita via internet. Antes pelo menos as pessoas fingiam que liam, elas ignoravam. Não venho dizer que ignorar era melhor do que se expressar, a questão aqui é como se expressar. Todos têm direito de protestar, concordar e discordar de inúmeros fatos, mas ninguém tem o direito de dizer “desce o cacete que é o que eles merecem”.
O Brasil é um país de poucos e muitos. Poucos são aqueles que se preocupam, se levantam, trocam de canal. Muitos são aqueles que compartilham emails de solidariedade e indignação, mas se mantém sentados no mesmo canal. A vida deixou de ser cor de rosa e passou a ser verde. Verde da sustentabilidade mal entendida, da coleta de lixo seletiva que não é tão seletiva assim, verde de “eu como mato e mudo o mundo”. Não existe essa utopia barata vendida na TV e na internet de que é jogando lixo na lata vermelha ou amarela que você vai salvar o planeta. São pequenos gestos pessoais. Sim, isso tudo funciona, mas se você realmente está dentro do processo. Qual o caminho? Comece lendo as duas versões da história. Desacredite mais.
O povo precisa de comida, diversão e arte. Acessível não excludente. Brasil um pais de poucas palavras, pouca leitura. Quer mudar o mundo? Pare de achar que a violência é o primeiro passo. Desconsidere mais o que te dizem. Leia a coluna de política no jornal. Incentive a educação. Não julgue.
São essas palavras semelhantes aquela que você receberá no email de fim de ano da empresa em que trabalha, são as mesmas, só inverta o sentido e passe a olhar menos para a ponta dos seus pés, pise adiante com os olhos abertos.
O senhor da razão é aquele que sopra em seu ouvido palavras que ninguém diz, nem você mesmo.



quinta-feira, novembro 03, 2011

Rimas

Era parte do nascer, perderei pra te ver crescer, florescer, amadurecer e voltar a ser verde.
Cria-se um lapso de coragem, o que vem e vai passa por um tênue fio. Entre o vir, o porvir e o que vir, é. Dialogar com o tempo é como costurar uma teia, você não tem esse dom, nunca terá. Todo e qualquer lampejo de conversa com seus dias se transforma em um desespero em um túnel em que você verá tudo, menos a luz.
Eu queria saltar. 
Era parte de mim, brigar com o sol, colocá-lo em um anzol e ir pescar. Faz dias que o sono deu adeus as constantes voltas e revoltas do lençol. Faz nuvem no meu céu, fábrica constante de alentos distantes. Rimas, controláveis. Um tosse que nunca foi minha.
O primeiro ônibus que passar, eu não pegarei, verei pessoas subindo, um sonho, uma frustração em cada degrau. Seguirei a pé, pela força e pela rima.

quarta-feira, novembro 02, 2011

Amarillo cor de ouro



Amarelo


      Gelb


Yellow 


       Jaune


                 Rumem 


       Amarillo 
Flava 


       Kollane 


Giallo 

       Yubá 


Flavum

sexta-feira, outubro 28, 2011

terça-feira, outubro 25, 2011

Calendoscópio luminoso

Os ares mudaram de lado e a primavera pousou timidamente no canto esquerdo da janela, bateu duas vezes e ninguém abriu. Então, resolveu dar mais uma volta e depois pensar se entraria escondida por alguma fresta da porta, ou da janela do quarto.
Enquanto isso lá dentro o vento frio e persistente do inverno ainda rodopiava livremente, sem se preocupar se seu dia já havia passado.Estava mais preocupado em se manter gélido do que em migrar. Foi então que se deitou no sofá e tirou um longo cochilo, talvez de meses, anos, nunca se soube. O tempo das estações é inconstante em quem não as permite sair.
E a partir disso a noite passou a ser mais longa, escura e fria. Não havia meias suficientes na gaveta que contentassem uma longa noite que não tinha fim.
Lá fora a primavera rodeava os jardins, os telhados, passeava pelas árvores, mas sabia que seu lugar não era ali, resolveu procurar. Percorreu a imensidão do mar, sobrevoou com os pássaros e passou dias cantarolando a beira mar, mas ainda não estava completa. Não existe complemento perfeito, existem estações que nos chegam no momento oportuno. Por isso resolveu voltar e tentar mais uma vez.
A janela continuava fechada, mas a cortina já se abrirá, o sol entrava lentamente toda manhã e observava curioso quando se escondia atrás do outro prédio durante a tarde. As estantes se enfeitavam com a rude expressão do inverno repousando. Sono intenso e profundo. E então surgiu uma ponta de esperança e o verão enviou surpresas.
Primavera se encostou no vidro e respirou embaçando a janela, queria estar lá dentro, meu tempo é curto e não volto tão cedo, pensou consigo. Percorreu com os olhos o interior e viu o largo sorriso das plantas no outro extremo da sala quando a avistaram. Retribuiu com um aceno quase saudoso, daqueles que se repetem todo ano quando a despedida é certeira. A estação iria findar e a anterior nem havia saído.
Foi quando ouviu passos no corredor e assistiu pela janela o inverno ser acordado e varrido porta afora ao gritos. O vidro foi aberto e ao suspirar lento e caprichoso abriu alas para a estação virar e o tempo trocar de cor.
A folha do calendário caiu e os dias se passaram como antes, mas agora com certa cor.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Certo dia, em algum lugar


Por Rafael Sperling


       "Certo dia foi assim. Eu não existia e então passei a existir. Não existe uma explicação muito clara. Do nada, apareci. Mas acho que é o normal. As coisas aparecem no mundo e depois desaparecem, sem nenhuma explicação. Eu estou aqui e depois não estou mais. Deixo de existir e em algum momento volto a existir outra vez.
       Do nada, meu pai aparece. Ele diz "Oi" e depois desaparece. Isso quer dizer que num dado momento eu não tenho nem pai, nem nada, e que, durante três segundos, eu passo a ter pai, que me olha e diz "Oi", para logo depois sumir e as coisas voltarem a ser como antes.
       Volta e meia surge alguma outra coisa, como uma árvore ou um poste, mas essas coisas somem logo depois. Até o chão faz isso; passo a maior parte do tempo caindo num espaço branco vazio; diria que é complicado saber se estou caindo para cima ou para baixo, uma vez que não existe nada aqui, não dá pra ter muita noção desse tipo de coisa. Volta e meia, quando surge algum objeto, eu penso algo como "Ah, ele está vindo lá de baixo, portanto, estou vindo de cima". Mas logo depois surge outro objeto "caindo" numa outra direção, como se estivesse vindo da direita para a esquerda em relação ao objeto anterior, me confundindo novamente. Algumas raras vezes, o chão aparece. Caio nele, mas não me machuco. Geralmente não há nada, é um chão branco, muito limpo, aparentemente. Caminho um pouco sobre ele, aproveitando enquanto há chão para se andar. Até que, de repente, o chão some e passo a cair em alguma direção indefinida outra vez.
       Não sinto muita fome, uma vez que quase não gasto energia. Alimento-me das comidas que esporadicamente surgem perto de mim: frutas, carnes, ovos, doces.
       Sinceramente, às vezes me pergunto como sei o nome das coisas e suas funções. Desde que me dou por gente estou aqui caindo neste espaço branco, nunca ninguém me ensinou nada; aliás, nunca conversei direito com ninguém, pois as pessoas surgem e desaparecem misteriosamente — não há tempo de criar qualquer tipo de intimidade. Devo ter aprendido a falar (e pensar) com esses breves episódios de interação humana, além de alguns poucos livros que vieram parar por acaso em minhas mãos. Tive a oportunidade de ler algumas gramáticas e dicionários, de forma que pude juntar as coisas todas e começar a formular pensamentos lógicos, pois antes disso apenas pensava em palavras e ideias embaralhadas, e nos objetos errantes, até então sem nome, que passavam por mim.
       Gostaria de saber como vivem as outras pessoas: o que fazem, o que pensam... Será que vivem como eu, transitando de forma errante em sua solitária dimensão, isoladas umas das outras?
       Passo a maior parte do tempo pensando em como escapar daqui. Alguém que passou por mim, certa vez, disse que existem passagens para outras dimensões, e que se deve estar atento a elas. Também ouvi histórias de como é viver nelas, das suas cores, cheiros, objetos, leis. Existem algumas onde o chão é constante, pode-se caminhar sempre, ao invés de ficar caindo no vazio a maior parte do tempo, como no meu caso. Dizem que nessas dimensões é possível construir uma sociedade — algo que nunca pude ver de perto — onde pessoas convivem e, juntas, podem construir suas vidas e progredir.
       Já em outras, as pessoas nascem coladas. Cada pessoa possui outra colada nas suas costas; não necessariamente elas se dão bem, deve-se aprender a conviver em harmonia. As duas devem negociar a que lugares ir e que atividades realizar, uma vez que uma terá, obrigatoriamente, que participar do que quer que a outra decida. 
       Também existem as dimensões saturadas. Na minha, as coisas aparecem e desaparecem, de forma que existem, de fato, poucos objetos físicos. Nas saturadas, as coisas aparecem e nunca mais somem — os objetos vão surgindo e se amontoando, fazendo com que as dimensões se transformem num aglomerado de massa. Nessas dimensões, apenas alguns seres microscópios conseguem sobreviver; a tendência nelas é a extinção da vida por completo.
       Disseram-me que existem dimensões onde os seres nascem sempre dentro de outros. Alguns conseguiram se adaptar, mas no caso dos seres humanos isso não funciona. Quando um ser humano surge, ele causa a morte de outro. Dessa forma, a população humana dessas dimensões é extremamente reduzida, algo como três ou quatro pessoas apenas.
       Na minha dimensão é difícil dizer a quantidade de habitantes. As coisas são extremamente inconstantes por aqui. Como se pode obter dados estatísticos de um lugar onde a existência das coisas é instável? Algo que existe agora pode não existir daqui a cinco minutos; onde vivo não se pode contar com nada. 
       Estou me aproximando de um portal que atravessa dimensões. Esforço-me para me aproximar dele. Se houvesse chão agora, poderia caminhar até lá; ficar nadando no ar não está adiantando de muita coisa. Vejo que atrás de mim uma pessoa se aproxima em alta velocidade. Nos chocamos e sou lançado para bem longe do portal, enquanto que ela se aproxima; mas para seu azar o portal some diante de seus olhos; ele fica realmente triste e desesperado. Para a minha surpresa, logo depois a pessoa desaparece.
       Me pergunto para onde vamos quando não estamos aqui. É um pouco como se estivéssemos dormindo ou desmaiados; não consigo lembrar o que acontece quando sumo. Será que apareço em outra dimensão? É bem possível, pois li num livro que, em algumas dimensões, não existe a memória, ou pelo menos ela é muito curta, como a lembrança de um sonho que esquecemos logo após o despertar. De onde esses livros vieram? Não seria possível fabricar um livro por aqui, certamente vieram de outro lugar. Provavelmente esses livros desapareceram em outras dimensões e aqui ressurgiram — a não ser que alguém tenha cruzado um dos portais segurando um desses livros, o que é muito improvável, uma vez que, fazendo isso, aparecemos nus na outra dimensão; foi o que li certa vez. O problema é que não conheço ninguém que tenha cruzado um portal. Nem ninguém que tenha conhecido uma outra pessoa que já tenha feito isso. Sendo assim, é possível que a história dos portais seja apenas uma lenda, que eles não sirvam pra nada mesmo, e, quem sabe, que nem existam outras dimensões; talvez as pessoas necessitem de crenças injustificadas como essa para se manterem sãs...
       Os anos passam, nada me acontece. E nada posso fazer para que algo aconteça. Penso qual será o meu sentido de existir, tendo em vista que tudo que faço é apenas vagar nesse espaço vazio. Já estou quase morto; eternamente solto."

sábado, outubro 22, 2011

domingo, outubro 16, 2011

O que passou, passou


Paulo Leminski (Brasil)

O que passou, passou


"Antigamente, se morria
1907, digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
De doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para a terra dos pés juntos.
Dia de anos, casamento, batizado,
morrer era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como ser ou não ser convidado.
O escândalo era de praxe.
Mas os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos.
Tinha coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que têm que morrer,
tinha coisas que têm que matar.
A honra, a terra e o sangue
mandou muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos idos de 1916,
a não ser pegar pneumonia,
e virar fotografia?
Ninguém vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não deu pra ir mais além.
Quem mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou banho e foi no vento.
Agora, vamos ao testamento.
Hoje, a morte está difícil.
Tem recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E, em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
inventou a criônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica."

quinta-feira, outubro 13, 2011

A cada palavra algo novo a aprender. A cada olhar um fio contínuo de esperança. A cada gesto uma certeza de que as paredes não irão cair. Seguir um exemplo é aprender a fazer a troca. E essa troca se torna constante quando você absorve os mínimos detalhes de um pensamento.
Se de uma certeza posso me vangloriar é que me foi enviado uma fonte de força e fé rotineira.
Amor, fé e aproximação. Passa a evoluir para Amor, Fé e Troca. Hoje e sempre a certeza de amanhecer fortalecida.

terça-feira, agosto 30, 2011

Escadas

- Segundo alguns dicionários que já li por aí existem certas palavras que os significados são mutáveis. Não sei o quanto isso interessa nos dias de hoje já que o imutável é passivo de erros. Todas as coisas que se transformam são positivas, mas nem sempre são levadas a sério. Eu mesma escrevendo semana passada citei dois autores que nunca imaginem dizendo coisas que disseram há uns anos atrás.
- Nunca acreditei nessa ideia de que mudar pode ser tão positivo. É tudo relativo demais para ser sempre coisa boa. Respondeu ele esticando os pés sobre a cadeira ao lado.
- Pode até ser, mas se você reparar bem quase tudo que se expande se estende ou se contrai troca o tom. E olhe que nós nem chegamos a falar de música ainda - disse ela sorrindo.
Ele olhou ao redor e lembrou-se de uma frase que sua avó que sempre dizia em sua infância.
- 'Se eu soubesse que o céu era tão perto, não havia comprado escadas tão longas' - repetiu suas lembranças ao vento.
Ela ponderou, olhou e sorriu como se aquelas pequenas palavras fossem a maior solução dos últimos tempos. Contemplou o céu e disse:
- Hoje parece distante.
- Sempre foi - ele olhou para cima e viu um pássaro - mas sempre existem aqueles que podem voar.
Permaneceram no jardim a tarde de domingo toda, ela reunindo pequenas frases, flores e gestos em seu caderno. Ele contemplando nostalgias sentimentalóides que só os dois conseguiam ver. 

segunda-feira, agosto 22, 2011

Essa tal de vida

-Essa tal de vida me deixa encontrar vestígios da pequena solidão do meu tempo. Eu passo os dias vivendo as horas com suas datas marcadas, seus compromissos fixos, seu calendário egoísta. Faço contas para não me atrasar, pago as contas atrasadas, deixo sempre para outro dia trocar a lâmpada da varanda. Talvez seja porque eu prefira a luz do sol entrando lá todo dia, talvez seja porque eu não  acho esse tal de tempo no meu dia para pequenos afazeres.
Não preciso de ninguém ditando minhas horas, controlando meus horários, essa tal de vida faz isso por mim. Horário de chegar, de sair. Prefiro a confusão que sou, pena que ela nunca se imponha. Faço promessas ao relógio, mas meu tempo se confunde com o dele. Essa tal de vida é um despertador desfigurado que sempre toca uma hora antes do que deveria, mas que nunca se atrasa, nem pára.
Espero terminar meu capítulo antes que comecem a me regular, antes que eu comece a me regular. Queria saber contar coisas sobre a vida das pessoas em que o tempo não fosse necessário, mas é tão difícil. Ele é a única certeza que temos de que essa tal de vida segue e corre na maioria das vezes, mesmo quando você praticamente implora para ela ir mais devagar.

Repousou a caneca sobre a mesa e respirou profundamente.

-Não preciso dele. Necessito dele. Responsável pela chegada dos meus cabelos brancos, pela minha constante olheira matinal. Essa tal de vida desconta esse não querer de queres do correr das horas em tardes de domingo regadas a azedumes e filmes burocráticos sobre vidas com céu azul e finais felizes. Balela!

Deu uma leve olhada no jornal de dois dias atrás e permaneceu no jardim o dia todo só para contrariar sua agenda e teimar ser independente dessa tal de vida.

terça-feira, agosto 16, 2011




"Eu não escrevo pra ninguém e nem pra fazer música
E nem pra preencher o branco dessa página linda
Eu me entendo escrevendo
E vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco
Ele me mostra o que eu não sei
E me faz ver o que não tem palavras
Por mais que eu tente são só palavras
Por mais que eu me mate são só palavras
Eu não escrevo pra ninguém e nem pra fazer música
E nem pra preencher o branco dessa página linda
Eu me entendo escrevendo
E vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco
Ele me mostra o que eu não sei
E me faz ver o que não tem palavras
Por mais que eu tente são só palavras
Por mais que eu me mate são só palavras
Eu me entendo escrevendo
E vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco
Ele me mostra o que eu não sei
E me faz ver o que não tem palavras
Por mais que eu tente são só palavras
Por mais que eu me mate são só palavras
Só palavras
Só palavras..."

Branco

Criar, criar, criar e a falsa realidade que uma folha em branco proporciona. Captar frases soltas e salvá-las no celular são o que me resta quando as imensidões se achegam em mim nos piores momentos. Se três frases não são suficientes prefiro recortar as novas imagens que sempre estão aqui. O paradoxo que meus alter egos estão imersos é o pior dos últimos tempos. Saiam dessa inercia do poder pretender entender o que querer que isso não fará chover. Viram? Está um caco.
Voltarei a folha em branco. Paulo e Ana, ou seja lá quem agora são, aguardem.

domingo, agosto 14, 2011

Hoje acordei sorrindo

Quando eu começar uma frase coberta de todo o sentir, ao fundo tocará uma voz. E essa voz que soa como um boa mensagem solta no vento, espalhada por todas as ondas que souberem captá-la. Um momento de alegria surgiu com uns dos sorrisos mais sinceros que dei na vida, confesso que espero que ninguém tenha visto, pois são esses sorrisos que transparecem o seu ser e nem todos podem conhecê-lo.
São momentos assim que fazem com que eu me inspire e possa demonstrar o melhor de mim, até me recordo de que quando meu espelho me questiona sobre qual meu defeito incorrigível, eu respondo que é sonhar demais, manter sempre os pés  fora do chão, ele sorri e responde: essa também é sua melhor qualidade. Porém, alimentar esses sonhos não é tão fácil quanto parece, precisa de muita lenha, de uma pitada boa de inspiração e pessoas que me façam experimentar tudo que a vida pode me proporcionar. E se existisse uma lista com esses momentos tenho certeza que ela será embalada pela voz que me fez sorrir. 
Não sou tão boa com as palavras ditas, mas sei falar com as palavras escritas. Mais do que isso, sei captar o som que me fez chorar de alegria como nunca antes. E só tenho a dizer que um abraço pode reunir tudo que sentimos em apenas alguns segundos e as lágrimas que enxuguei no final foram um misto de saudade antecipada com certeza de que a felicidade vai cruzar seu caminho. E quero aplaudir de pé lá no final do túnel.
Um passarinhos sobrevoa sob minha cabeça e ele vai partir daqui um tempo levando com ele um pedaço do meu melhor sorriso, mas ele volta e esse é a data que já marquei na memória como um alento. E se soubesse o quanto é difícil para mim falar abertamente assim do meu eu, teria certeza que ainda estou com o sorriso bobo de alegria e orgulho estampado no rosto e que vale a pena me escancarar para dizer o quanto importante é. Voz vai ser feliz, mas não se cale nunca, por mim e por você.

terça-feira, agosto 02, 2011

Reunião da desunião de um ser


Troca-se a fase. Troca-se a cor. Um envolvimento dos dizeres que ficam por ser ditos pendurados ao rodapé. Vão-se os meses. Deixam-se sonhos. Curva-se. Aglomerados de garrafas abertas. Rios que se secam. Tons de cinza. Ronda, rezas e rumos. Pés, chão, poeira. Pano, sujeira, pedras. Partir.
Tons de preto. Cruzes, tesouros, mapas. Sai o destino, entra a coragem. Era terça, feira, fato, feitos. Figas, digas, mintas. Progrida, prossiga, remende. Deite, olhe, cegueira.
Aos três trilhões de segundos que deixei, um cego, surdo, mudo rondei. Um céu mudou de cor e um se perdeu. Choveu.
Era sem fim. Pequenas, tortas, miúdas. Espremidas, contidas, diminuídas. Contos, pontos, pedaços. Dedos, anéis, sossegos.
Engolido pelo tempo surge o indefinido. Limitar-se é a liberdade que consome a nossa expressão. Não existe sossego, só prisão. O céu é desapego sem comunhão e a transgressão não divide mais seu pão. Rumos, rondas e rezas. Um sentido de quem lê, outro de quem vê, mas nenhum de quem não sente.

segunda-feira, agosto 01, 2011

Conversas que não são jogadas fora

-Ao conto de fadas eu reservo meu alento. Foi com ele que descobri o prazer de mergulhar em um novo mundo e recriá-lo dentro de mim, a imaginação é a porta de entrada para tudo que já construí na vida. E eu ainda tenho muitas portas para abrir. Mas você sabe que tudo que já vivi nesse meu universo paralelo de imensidões mutáveis e intensidades instantâneas também me levou a descrer e crer em coisas que nunca tive acesso. E não me refiro a nada que me seja de valor, mas sim pequenos sonhos frustados atrás de papéis. Muitos deles já amarelos naquelas tarde quentes e úmidas no sebo do meu avô. Olhou ao redor e mexeu nas orelhas das folhas sobre a mesa. - Tudo que aprendi foi ali, um pouco na rua, a mesa de bar também é uma grande escola. Tudo que não vivi também foi ali e é isso que me preocupa.
Mexeu nas folhas que estavam na mesa e organizou daquela maneira frenética de quando estava nervosa. Ele observou suas mãos trêmulas e segurou-as com leveza. Trocaram um olhar de cumplicidade. A confirmação estava por vir.
Um belo dia acordo e percebo que nasci no lugar errado, talvez até na época errada. E isso não é mais um lamento de alguém que contesta seu tempo, muito pelo contrário. Esse é um lamento de quem não absorveu direito as inúmeras possibilidades de raízes que me cabem. Minha raiz maior é do interior, mas não sei se me completa por inteiro. 'Queria ser navegador...' 
Acho que nasci no Estado errado e essa é minha maior certeza. Tenho um pé em cada canto desse país, uma fala de cada cultura e isso é o que eu mais gosto em mim mesma, poder ser um pedaço de tudo. 
Um dia vou sair por aí a procura da minha certeza maior...caminhar em cada canto de cada estrada desse mundo gigante que se chama Brasil. 

"Queria ser navegador
Nesse teu mundo estelar
Lua que amansa meu desejo
Estrela azul, me leva"

sexta-feira, julho 22, 2011

Aos porcos, as flores artificiais

O ponto de interseção que te liga ao seu eu é tão denso quanto a curva retilínea do seu destino. Pregado a você existem pontos, voltas, somas e espaços.
Se sentia como um papel em branco prestes a ser demarcado, rotulado, manchado, traçado. Não por suas mãos, mas com as de quem a engolem. 
O peso do tempo já não é mais um preocupação estética, mas de essência. Carregar toneladas de frustrações e colocá-las em pequenas estórias hipócritas já não era um prazer como antes. Sentia vontade de cuspir nos que a prendiam na gaiola dos sonhos roubados, inventados, difamados, atormentados. 
Um passo adiante tão curto e tão distante quanto uma caminhada de dias na floresta. Preferia se conter, se manter, se conhecer. Aos 28 e não possuía autocontrole emocional. Já dizia o poeta ' a vida é uma intenso conhecer de si mesmo'. E quem era a vida? E conhecer a quem? Procurar o que? A dúvida e as incertezas são consumíveis até os dentes. Não existem certezas. E essa busca já não interessava mais.
Olhou pela janela e viu as primeiras gotas de chuva escorrerem pelo vidro, a tarde quente de verão e a janela fechada. Abafava seus sentimentos como se cozinhasse aquele prato preferido dele. O telefone não tocou aquela tarde, nem pela manhã. A noite precisava de um convite ao som ora perturbador daquela máquina com números, ora vital em dias em que a escuridão não seria remédio e sim veneno.

domingo, julho 17, 2011

O tum tum tum do vento

Entrou no carro, a cabeça em transe. Dirigiu sem olhar pra onde, sem saber o rumo. Seguiu adiante por diversos metros sem olhar pelo retrovisor, acabara de deixar para trás meio mundo e meio sonho. Percorreu ruas e avenidas e só se deu conta de que estava na rodovia quando avistou a ponte. Ligou o rádio e percebeu que os sons incomodavam, nada de melodramas, nada de batidas enlouquecidas de instrumentos que não existem, nada de som. Preferiu o barulho do vento batendo no rosto e do misto entre o carro e a sensação de se livrar de algo. Deixar de lado é diferente de abandono que é diferente de escolha. E foi feita a dela.
Quando notou que havia se passado um bom tempo desde a última conferida no relógio resolveu retornar para a cidade. A paisagem da volta não era mais a mesma, parecia que algo ali havia mudado. Ao descer do carro próximo a um belo jardim próximo da sua casa, sentou-se e recolheu algumas flores. As janelas precisam respirar o frescor da primavera. Trouxe-as para perto da sua preferida, ao lado da sala, com a vista privilegiada para as suas bromélias.
Ao cair da noite o telefone tocou. Era quem precisava ser naquele momento, mas quem não era esperado anteriormente. As coisas estavam mudando e a cabeça se esvaia em pensamentos que há dois dias eram impensados. 
Um convite para uma conversa. Conversas não precisam de convites, mas sim de impulsos, seja ele o primeiro, ou o último. Então foi combinado, ao pé da mesa do pequeno aconchegante restaurante perto da Lagoa.
Nesse momento a questão era o próximo passo.

quinta-feira, julho 14, 2011

Eis aqui a gaveta aberta

Em uma estreita e bucólica rua da cidade, ao lado de duas árvores que rodeavam a calçada morava um sorriso suave. Era uma tarde pacata de primavera, na qual as flores respingavam as gotas da chuva e cobriam o chão com um rosa leve.
No segundo andar de uma casa simples e muito bem decorada, a dona do sorriso suave se prendia em pensamentos e pequenas tarefas domésticas. A chuva molhando as plantas no jardim deram um descanso para o trabalho matinal de jardinagem.
Ao som de uma melodia que enchia a casa, a mulher dançava suavemente pelos cômodos, como se deslizasse pelas paredes. Uma vida simples em  sua suavidade completa.
Alta, não mais gorda, nem mais magra do que se vê pelas ruas. Cabelos soltos, negros, ora castanhos. Olhos ternos, intrigantes, azuis esverdeados. Pele cor de neve, vermelha em dias de sol. Passos largos, decididos. Nem sempre certeiros, mas adiante.

terça-feira, julho 12, 2011

Abre

Fecha. A gaveta se fecha e as sensações podem ser guardadas junto com as meias. Sem disposição de cores, formas e tamanhos. As brancas e as azuis, as de correr e as de sair. O sorriso no canto da boca deixou de dizer desculpa e começou a dizer bem-vindo.
O sol reluzia e a cada novo salto pelos cômodos da casa intrigava paredes e teto. Agora foi. Celular ao canto da mesa. Era dia no farol. O vai e vem dos carros na avenida não irritavam. E nem a noite mal dormida fazia questão de estampar as olheiras rotineiras. O tilintar dos pratos e talheres na confeitaria não abria espaço para a dor de cabeça. Era festa na cidade mais bonita. Foi aceita a primeira dama da Sapucaí e o samba se abria como dia de São João. Um chocolate meu senhor.

terça-feira, junho 21, 2011

Pequenas crônicas de pés pequenos

Pequenas história de um pé pequeno que buscavam passos largos. A contradição de uma vida na distância dos seus atos. Os afazeres todos os compõe e os dispõem em suas limitações. A fatídica falta de privilégios sempre foi um mal a ser depenado.
Se o desenrolar dos acontecimentos sempre ancorassem em um porto de um mar calmo, o pequeno pé não iria tão além. Comparar passos e contos não o limitavam, o aumentavam em sua angústia da busca pelo futuro.
Pés descalços em beira de praia, soa como bossa nova, mas desperta como barulho de construção. A leveza do percurso não fazia parte dos planos do caminho. Segue dois, três. Curtos, mas não obsoletos. Segue quatro, cinco confusos e extensos. Segue oito, nove contidos, lentos.
O realejo ao fim da orla tira a sorte dos ligeiros pequenos pés e diz que a crônica do cotidiano nunca irá limitá-lo. Prêmio de consolação para o segundo lugar não tira o sabor da derrota. 
Pés calçados em fins de abril, grama rala e molhada. O tão maduro e quieto acontecimento não releva os pés. Segue-se adiante a passos de elefante.
A sabedoria de pés que brandam por clamor e vontade. Tire os pés da lama e os afunde em jacas, para rir, chorar e lamentar. O condutor da alma fica distante do coração e muito mais além da cabeça. Pode-se vê-lo lá de cima, mas nunca tirá-los do rumo.
Pés descalços no concreto. Te engolem na realidade da cidade que te consome. Desnuda seus planos e engraxa seu percurso. A desilusão é o temor da caminhada, mas sem ela os passos vão para trás.
Avante como um raio em dias quentes, pequeno como sua extensão em dias frios. Chuva escorrega, mas não derruba.
Pequenas crônicas de pés pequenos e dias largos. Calçado que aperta acelera a volta. Sandália solta afrouxa a alma. E o realejo sortido sorteia a sorte de mais um caminho.



sexta-feira, junho 17, 2011

O tom pastel voltou com tudo!

Em mais um escândalo das novas (velhas) tendências de final de outono os tons pastéis ganham novos (velhos) modelos e formas de utilização.
A decoração de interiores está repleta de cores neutras e envelhecidas dando a elas uma nova (velha) forma de referência ao tempo que estanca lá fora os objetos aqui de dentro. A maior inovação (velha) de finais de estação e inicio de inverno é a cortina cor de creme. Esconde a sujeira do dia-a-dia e concentra na sala uma doce sensação de acolhimento. Nunca soube que creme fosse cor.
Os tons pastéis sempre foram marcados por um ar mais vintage que proporcionam a sua casa a experiência do moderno (velho) baseado no antigo. Como aqueles velhos livros esquecidos na estante, com as páginas amarelas, mas com novíssimas (velhas) idéias. O clima proporcional nos deleita para uma viagem ao fundo do baú com aquele cobertor mais antigo, mofado, cheirando a naftalina, mas que mais esquenta. O frescor abriu espaço para o ar gélido. 
Os novos (velhos) planos não perpassam a cortina creme cor de nada e o ar do inverno não traz os flocos de neve que você nunca viu. A galocha colorida na lavanderia está na moda, mas ela não é cor de estação, vai para doação. O café de todo dia vira champanhe de fim de noite e o chá de camomila vira refresco de resfriado. Seus discos com música de praia voltam para caixa e o som lento retorna, isso se você tiver tempo de ouvir algo, outono é tempo de pendências que você acumulou durante os primeiros meses do ano. Sim, o calendário está no meio e com ele vem o inverno.
As novas (velhas) tendências marrons e negras chegam com o inverno, mas ainda não trocamos a cortina, nem tiramos o pó do outono da estante, vamos deixar para além.

quinta-feira, junho 09, 2011


"Mas é doce morrer nesse mar de lembrar
E nunca esquecer


Se eu tivesse mais alma pra dar
Eu daria, isso pra mim é viver"
"

Rumos, rondas e rezas

Era tarde de terça-feira. Os papéis sobre a mesa. A poeria sobre o chão da sala. Correspondências se empilhavam perto da porta. A rotina estava enlouquecendo com o descaso para com ela. O destino não ditava mais seus planos. Quem buscava seu caminho agora era ele.
Os devaneios da noite anterior impulsionaram Paulo a seguir um novo percurso. Cansado de perder o chão aos 25 anos, sabia que o cotidiano o sufocaria bem antes que completasse 30. Não compreendia o por que de tanta angústia no seu ser, mas sabia que algo deveria mudar.
As conversas jogadas fora com pessoas pelas ruas ajudavam, mas também conflitavam. A solidão de cada ser perturba quando se encontra com a nossa. Nem a brisa reconfortava. O tempo não era o mundo.

terça-feira, maio 24, 2011

Festival Natura Nós

Boa noite! Mais um post sobre música, mas hoje é especial é sobre um festival de música. Festival Natura Nós que aconteceu sábado aqui em São Paulo.
Estava com vontade de ir ao festival desde quando começaram a anunciar pelas redes sociais, porém achei que não poderia ir, mesmo com muita vontade de ir ao último show da turnê do cd Pra se ter Alegria da Roberta Sá.
Por ironia do destino, ganhei uma promoção e consegui um par de convites para prestigiar esse evento tão bacana. Não conheço sorte, conheço destino. E se foi para ser é porque tinha que ser.
Melhor do que todas as atrações musicais juntas foi a organização e a forma como tudo foi montado. Sustentável, organizado e confortável. A Natura está de parabéns, pois esse foi um dos melhores eventos que eu já fui na vida.
Confesso, que vou pular os shows de quem eu não conheço para ir direto ao ponto que realmente interessa. Primeiro deles, foi o da musa, divina, maravilhosa, encantadora, simpática e paixão da minha vida Roberta Sá. Confesso que sou suspeita para fazer qualquer comentário sobre qualquer evento em que ela esteja, pois quem me conhece sabe que amo a música e essa pessoa!
Último show da turnê e eu lá para prestigiar esse fato histórico, por isso acho que ganhar esses convites não foram tão por acaso assim...
Linda, como sempre, o show conquistou uma platéia que não sabia muita coisa sobre ela, mas que acabou no embalo do samba e da voz doce da Roberta. A única coisa que posso reclamar foi do quão curto foi o show, precisava de pelos menos duas horas pra matar a saudades e deixar na lembrança.



Em sequência, uma pausa para descanso e para andar por todos os cantos do Festival. Além da já comentada organização, encontrei por todos os cantos elementos de como um evento grande e importante pode ser sustentável em todos os aspectos. Começando pela separação do lixo, além das já conhecidas lixeiras de coleta seletiva, os profissionais que passavam a todo momento recolhendo o lixo por todos os lados e levando para uma central de triagem localizada no próprio evento, em que tudo era feito em tempo real. Sensacional! Ah se metade dos locais com grande público fosse assim.
Voltando a música. Entra no palco Maria Gadú, encantadora com seu jeito de quem vai aprontar a qualquer instante e aprontou um surpresa muito agradável. Gostei muito do jeito do show, a voz sem comparação, os músicos excelentes e a conexão que o público tem com ela, muito além de Shimbalaiê. Pretendo repetir a dose em um show maior e com os meus amigos que são malucos por ela.
Logo em seguida veio Jamie Cullum, confesso que conhecia muito pouco o trabalho dele e que a surpresa foi a melhor de todo o evento. Um espetáculo animado, com a pontualidade britânica de sempre e um calor humano bem brasileiro. A empolgação e a interação com a platéia foram os pontos altos do show, além é claro do piano que esse cara toda, muito bom!
E para finalizar a noite o tão esperado show do Jack Johnson. Festival lotado, público ensandecido com o cantor e com todas as músicas na ponta da língua. Mesmo tímido ele compareceu e fez um show excelente.
Balanço geral. Um evento que consegue reunir música, sustentabilidade e um bom público (em todos os sentidos) não pode ser menos do que um excelente exemplo de atração a ser conferidas todos os anos. Espero voltar ao que vem. E que mais surpresas musicais estejam por vir. 

terça-feira, maio 17, 2011

Girando na contramão

Descomplicando coisas simples. Comi um chocolate ao pé da noite como se o próprio fosse a última bolacha do pacote, mas ao final vi que não era mais um peso. Sem culpa me entreguei a cada mordida. E melhor, fiz isso antes do jantar!
Pela janela observei a lua por trás da nuvem. 
Troquei o rumo do caminho habitual só para contemplar um gato que miava a minha espera, nem sei se era apor mim, mas já salvei seu dia e o meu também.
Não senti culpa em ganhar umas gramas ou perder alguns segundos do meu pacato e, teimo em dizer, tempo para trocar delicadezas com a vida. Dentro de um caos urbano resgatar coisas que me pertencem por raízes faz com que eu volte ao ponto inicial, sem remorso.
Ao discorrer em poucas linhas procuro esvaziar pensamentos e sensações que sons e gestos me proporcionam. Ah se eu pudesse me sentir todo dia assim. Agora eu só quero um café e uma coberta para retomar as voltas do relógio do cotidiano.Uma volta a mais e uma a menos, ele sempre chega ao número 12.

sexta-feira, maio 13, 2011

Uma pitada de felicidade ao fim do dia - Show Bruna Caram

Post especial para falar de música e daquela muito boa!! Ontem fui ao show da queridíssima Bruna Caram no Memorial da América Latina.
Confesso que depois de um dia caótico, em que fiz uma prova de quatro horas escrevendo sem parar, considerei em desistir e seguir para casa, mas a vontade de ouvi-lá ao vivo falou mais alto.
Conheci o trabalho da Bruna a dois anos atrás mais ou menos, lendo uma reportagem na Folha Ilustrada sobre cantoras da nova geração da MPB, e confesso que quando li que ela nasceu em Avaré (interior de São Paulo), onde passei boa parte da minha infância e até hoje é meu refugio preferido nas horas vagas, fui correndo para internet buscar saber mais e ouvir suas músicas. E Depois de ouvir Palavras do Coração o fascínio só aumentou.
Depois de anos com as músicas em meu ipod fui a um show da Roberta Sá no Sesc Pinheiros ano passado e me contaram que a Bruna estava na platéia, a própria Roberta falou, e mesmo procurando não a achei no final. Não, eu não desisti tão fácil assim. Depois desse breve resumo da minha história com a música da Bruna Caram vamos falar sobre o espetáculo de ontem.
Chegando no Memorial fui direto para a fila comprar os ingressos e para minha sorte uma senhora me ofereceu um. Percebi que ali minha noite já estava mudando. Uma nota especial para a estrutura do Memorial, confesso que mesmo passando todo santo dia na frente daquele lugar, a três anos, nunca tinha entrado lá (sim, caros amigos falta grave).
O ingresso que ganhei além de especial, por ser o primeiro dos muitos que terei desse show, ainda me proporcionou sentar de frente para o palco muito pertinho e com uma visão para lá de boa.

O espetáculo ganha cor

Sabe quando você senta na platéia para assistir a um show musical e espera que no minímo ele te proporcione uns bons momentos de prazer e deleite? Então, pense isso tudo mais uma boa dose de doçura e simpatia.
Ao entrar no palco já notei que o som e o espaço acolhedor salvaria meu dia de uma maneira extremamente única. A voz leve e ao mesmo tempo doce da menina de Avaré me transportou para um panorama que poucas vezes cheguei em um espetáculo musical. Se pudesse destacar algumas músicas, seriam uma dúzia delas que me encantaram, mas não há como não dar destaque especial para Caminho pro Interior, Um Blues e Nascer de Novo (ao som de um pianista sensacional). Entretanto, o maior destaque vai para a cantora e sua banda que possuem uma sintonia muito boa.
Porém, contudo, todavia, não existe como não falar, pelo menos em mais um parágrafo, da Bruna Caram em si. A doçura da voz, a interação com a platéia, o brilho no olhar de estar fazendo o que gosta da melhor maneira possível e simplesmente a transmissão da paixão com que divulga seu dom para com os demais são sensacionais nessa moça. Meu maior pesar não foi poder ficar e tirar uma foto para minha galeria de pequenas raridades que preso tanto em preservar, mas sei que não vão faltar oportunidades.
Recomendo de todas as maneiras e em todas as ocasiões.




Caminho pro Interior

domingo, maio 08, 2011

O selo do meu eu é diferente do selo da minha calça

O ser humano é um elemento fundamental na cadeia de acontecimentos que movem o planeta. Nós temos o poder de mudar o curso da História com poucas atitudes e muitos afazeres. Sexta passada em uma aula sobre História Contemporânea o professor soltou uma frase que ficou martelando minha cabeça por um bom tempo. "Precisamos de identidades para nos mantermos vivos"
Essas identidades variam conforme o período, a vida e a história de cada um. Ele se referia a certas identidades sociais com o Estado que resultou no boom econômico em meados do século passado, mas isso não vem ao caso no momento.
A questão fundamental para nós é que perdemos totalmente nossas identidades a cada minuto e sempre precisamos renová-las. Hoje em dia essa fase de identidades é muito característica na adolescência, pois esse é o momento fundamental da formação de nossa identidade pessoal e são a partir de certas comparações ou modelos que nos encontramos, ou nos perdemos. Esses diversos movimentos, muitas vezes ligados a música, que encontramos todos os dias nas ruas e nas escolas, na qual a importância do visual e da estética predominam; observamos a inversão de valores que fundamentam o ser humano. Alguém pode citar uma finalidade intelectual, não alienante, nessas 'modinhas' urbanas? Confesso que me esforcei para encontrar alguma, talvez a mais importante delas seja que muitas aderem ao vegetarianismo, mas mesmo assim distorcem essa visão.
No passado, como citado anteriormente, as identidades partiam da sociedade para com o Estado e essa relação de confiança foi o combustível de muitos países para proporcionar diversas guerras e acontecimentos que se pensarmos atualmente não fazem sentido para nós. Se importarmos essa visão aos dias atuais nos deparamos em um precipício no qual já caimos. Existe alguma possibilidade de encontrarmos identidades no Estado atual? Seja ele em qualquer nível?
É muito difícil encontrar laços fortes e permanentes na política atual. É com pesar que digo que esse aspecto perdido deveria ser fundamental para buscarmos as mudanças tão desejadas.
Depois de pensarmos sobre isso nos perguntamos, quais são nossas identidades atuais? Uma pessoa, um movimento, uma vertente? São tantas escolhas dentro de uma resposta cada vez mais difícil. Posso responder por mim que levei horas refletindo sobre isso e conclui que as minhas identidades são misturas de influências pessoais e de ideais, além de uma dose exagerada de esperança que pretendo manter firme.
Nossas identidades são os que nos movem e são o que perdemos um pouco a cada dia. Você não precisa relacioná-las com esperança, mas pense se essa constante perda de identidades não são resultados de pessoas inconstantes inseridas em uma sociedade atípica e corrupta?
Continuo acreditando.

sexta-feira, abril 15, 2011

Ele só queria que o sol mudasse de cor

Era uma vez um menino que vivia sentado em baixo da última árvore no fundo do quintal de casa. Por entre as brechas dos galhos ele podia ver os raios do sol. Tão amarelos cedo e muitas vezes laranjas ao fim do dia.
Certa manhã percebeu que o verde das folhas não combinavam com o amarelo doce e suave do sol. Pensou que uma cor mais escura fosse de melhor agrado. Foi então que decidiu mudar a cor do sol.
No fim da tarde subiu a copa da árvore e se esforçando para não sair do ângulo exato em que sua visão  habitual, no pé da árvore, fazia com que o sol ficasse entre os ramos das folhagens, pintou de vermelho três galhos.
Novamente ao chão, sentou-se e ao olhar para cima sorriu, mas dois minutos depois observou que não havia muito sentido em um sol vermelho, pois naquele período da tarde ele já ficava tão laranja que parecia um vermelho.Além disso, o vermelho era forte demais para ser o ponto certo entre a suavidade da natureza. Não contente resolveu trocar de cor.
No dia seguinte, munido de uma aquarela , subiu novamente na árvore e coloriu as folhas conforte o gosto de cada ramo. Ao descer se deparou com um arco-íris particular e sempre presente, talvez não nos mesmos formatos, mas só seu. 
Ao contrário dos arco-íris convencionais, aquele em seu final não havia potes de ouro, ou duendes e gnomos. Ao fim do arco-íris havia um menino, sentado, observando o céu, o sol e o colorir de uma imaginação que buscava mudar seu mundo a partir das circunstâncias que lhe eram impostas. 
Ao imaginar que o sol tivesse outra cor, recebeu em troca a chance de trocar de cor, trocar a cor de seu sonhar e de seu iluminar.
E ao cantarolar dos pássaros, que viram naqueles mesmos ramos coloridos, oportunidade de gerar vidas e seus ninhos ganharam cor, sentava todos os dias a observar as nuvens e balançar dos galhos conforme a dança do vento.
Ele só queria que o sol mudasse de cor e assim o fez.

terça-feira, abril 12, 2011

Um minuto de silêncio

Semana extremamente tensa a que passou. Quando imaginamos que nada de mais interessante poderia acontecer, explode uma bomba como a triste notícia das mortes na escola de Realengo no Rio de Janeiro. Acho  impossível não comentar nada sobre esse fato.
O mais complicado disso tudo é pensar que poderia ser como você e que ninguém está livre de um fato desses. Sim, é verdade você pode presenciar ou vivenciar algo parecido.
Em nossa sociedade atual o desequilíbrio e a falta de educação está tão arraigada que casos como esses que sempre imaginamos só ver em outros países possam acontecer com mais frequência. É lamentável, mas nossa realidade é lamentável. O difícil é encontrar os culpados. O atirador era uma pessoa com problemas psiquiátricos, isso ninguém mais duvida, mas será que todas as influências, boas ou não, que ele recebeu na vida não ajudaram a alimentar sua fúria com a humanidade? Punir crianças sempre doí mais e ele sabia disso.
A minha unica questão aqui é, será que não estamos criando mais monstros do que deveríamos? Será que a nossa sociedade sabe lidar com tamanhas cargas emocionais que as futuras gerações estão vivenciando todos os dias? Eu acho que não. Cabe a escola, o Estado e, principalmente, a cada um de nós, refletir e agir contra essas inquietações. 
As família dessa tragédia só posso desejar força e fé. O amor supera tudo e essa corrente é maior.
Um minuto de silêncio basta apenas para uma homenagem, um minuto de loucura fere mais que anos de vida, um minuto de maldade vale (?) pelo fim de várias vidas.

domingo, abril 03, 2011

Um passo adiante, um passo atrás

Em tempos em que a modernidade está tão em voga, o que fazer com certos conceitos tão ultrapassados?
Essa semana o estopim de preconceitos foi extremamente constrangedor.  O que fazer com uma sociedade recheada de personagens que teimam em ser protagonistas quando não se dão bem nem com o papel de vilão. A figuração deles já deveria ser banida.
Quando ouvimos que certos conceitos estão tão arraigados em nossa cultura que acabam virando rotineiros, sinto que estou em um abismo prestes a desmoronar. Não é cultural. O ser humano possui um dom de ser detestável que muitas vezes certas atitudes são suficientes para ele se resguardar a sua insignificância.
Quero crer que ainda posso ter esperança, mas o primeiro passo é fazer com que a nossa geração e as que vem por aí não aprendam com esses figurantes. E que o mais importante é o respeito e a cumplicidade. Somos todos iguais e isso nunca vai mudar.
E a velha frase sempre retorna 'Não acomodar com o que incomoda'

quarta-feira, março 16, 2011

A janela da interrogação

Ao ser humano eu dedico um momento de reflexão. Seu egoísmo é um sufoco que além de perturbar te questiona. Quem dera o mundo fosse mais questionador. O egoísmo que me liberta abre as portas do crescimento.
Enquanto alguns lutam, outros padecem, enquanto você se sufoca, outros respiram. E o relógio do meio dia não anda.
Ontem, tive um dia difícil. E as dificuldades que me cercam me fazem padecer. Não questiono minha janela, meu lençol. Meu travesseiro é um campo minado.
As letras correm pelos vãos. Seus dedos em minha mente me prendem a três ideais. Além deles só o supremo.
A supremacia do questionamento me intriga. Quero ser grande, quero voar. Mas só voar não é suficiente.
Ao passo que me contento, me lamento. Diminuir seus problemas não os isenta deles.
A janela ainda está aberta, o vento ainda sopra. A brisa de outrora é tão distante quanto à nuvem perdida. Essa nuvem que de tão duradoura preferíamos que fosse tão ligeira. E foi.
A nuvem atual se inicia por detrás da cortina, o azul certas vezes é cinza.
Questionar seu travesseiro não é ser maior. As suas respostas estão em você e em quem você se espelha. Através da janela vejo meu reflexo admirando meu eu interior. Meu inconsciente se transborda de imensidões e pensamentos. Questiono-me e me fortaleço. Repreendo-me e me supero.
A supremacia que me guia me conduz me ilumina. Minha janela ainda está aberta, o relógio do meio dia tenta andar.
O sol é o despertar de uma consciência, mas o sol ofusca. Sua consciência é imortal, você a deixa quando não mais está. A supremacia a faz questão de perpetuar.
A cada ideal fortalecido, concretizado me faz pensar que a antiga nuvem deixou rastros profundos. A nuvem que chega não combina com a cortina, talvez uma rosa melhore, talvez.
Já são duas da tarde. As duas novas casas passaram rápido demais. O que te lembra?
Questionar o tempo não te leva a controlá-lo. Eu quero a brisa que me alentava e me deixava mais perto. Quando eu fechar a janela ainda será dia, meu travesseiro já se prepara. A cortina já se fecha e meu reflexo continua intenso.
Quando cair na escuridão do questionamento, irei repassar esses momentos e talvez passe a crescer com eles, talvez precise de mais uma janela. Não seja egoísta, sua janela já é grande o suficiente.
O relógio andou mais oito casas, abrirei a janela e o sol não ofuscará, a nuvem estará na metade e a cortina não será tão ruim assim. Abrirei a janela.

segunda-feira, março 14, 2011

É dando que se recebe?

Estamos em tempos de montagem de governos. Há disputas por cargos e funções por parte de partidos e de políticos. Ocorrem sempre negociações, carregadas de interesses e de muita vaidade. Neste contexto, se ouve citar um tópico da inspiradora oração de São Francisco pela paz “é dando que se recebe” para justificar a permuta de favores e de apoios onde também rola muito dinheiro. É uma manipulação torpe do espírito generoso e desinteressado de São Francisco. Mas desprezemos estes desvios e vejamos seu sentido verdadeiro.
Há duas economias: a dos bens materiais e a dos bens espirituais. Elas seguem lógicas diferentes. Na economia dos bens materiais, quanto mais você dá bens, roupas, casas, terras e dinheiro, menos você tem. Se alguém dá sem prudência e esbanja perdulariamente acaba na pobreza.
Na economia dos bens espirituais, ao contrario, quanto mais dá, mais recebe, quanto mais entrega, mais tem. Quer dizer, quanto mais dá amor, dedicação e acolhida (bens espirituais) mais ganha como pessoa e mais sobe no conceito dos outros. Os bens espirituais são como o amor: ao se dividirem, se multiplicam. Ou como o fogo: ao se espalharem, aumentam.
Compreendemos este paradoxo se atentarmos para a estrutura de base do ser humano. Ele é um ser de relações ilimitadas. Quanto mais se relaciona, vale dizer, sai de si em direção do outro, do diferente, da natureza e até de Deus, quer dizer, quanto mais dá acolhida e amor mais se enriquece, mais se orna de valores, mais cresce e irradia como pessoa.
Portanto, é “dando que se recebe”. Muitas vezes se recebe muito mais do que se dá. Não é esta a experiência atestada por tantos e tantas que dão tempo, dedicação e bens na ajuda aos flagelados da hecatombe socioambiental ocorrida nas cidades serranas do Rio de Janeiro, no triste mês de fevereiro, quando centenas morreram e milhares ficaram desabrigados? Este “dar” desinteressado produz um efeito espiritual espantoso que é sentir-se mais humanizado e enriquecido. Torna-se gente de bem, tão necessária hoje.
Quando alguém de posses, dá de seus bens materiais dentro da lógica da economia dos bens espirituais para apoiar aos que tudo perderam e ajudá-los a refazer a vida e a casa, experimenta a satisfação interior de estar junto de quem precisa e pode testemunhar o que São Paulo dizia:”maior felicidade é dar que receber”(At 20,35). Esse que não é pobre, se sente espiritualmente rico.
Vigora, portanto, uma circulação entre o dar e o receber, uma verdadeira reciprocidade. Ela representa, num sentido maior, a própria lógica do universo como não se cansam de enfatizar biólogos e astrofísicos. Tudo, galáxias, estrelas, planetas, seres inorgânicos e orgânicos, até as partículas elementares, tudo se estrutura numa rede intrincadíssima de inter-retro-relações de todos com todos. Todos co-existem, inter-existem, se ajudam mutuamente, dão e recebem reciprocamente o que precisam para existir e co-evoluir dentro de um sutil equilíbrio dinâmico.
Nosso drama é que não aprendemos nada da natureza. Tiramos tudo da Terra e não lhe devolvemos nada nem tempo para descansar e se regenerar. Só recebemos e nada damos. Esta falta de reciprocidade levou a Terra ao desequilíbrio atual.
Portanto, urge incorporar, de forma vigorosa, a economia dos bens espirituais à economia dos bens materiais. Só assim restabeleceremos a reciprocidade do dar e do receber. Haveria menos opulência nas mãos de poucos e os muitos pobres sairiam da carência e poderiam sentar-se à mesa comendo e bebendo do fruto de seu trabalho. Tem mais sentido partilhar do que acumular, reforçar o bem viver de todos do que buscar avaramente o bem particular. Que levamos da Terra? Apenas bens do capital espiritual. O capital material fica para trás.
O importante mesmo é dar, dar e mais uma vez dar. Só assim se recebe. E se comprova a verdade franciscana segundo a qual ”é dando que recebe” ininterruptamente amor, reconhecimento e perdão. Fora disso, tudo é negócio e feira de vaidades.



Leonardo Boff

terça-feira, março 01, 2011

Não há silêncio que não termine

Voltando a ativa para deixar registrada uma recomendação minha sobre um livro que terminei de ler essa semana, “Não há silêncio que não termine – Meus anos de cativeiro na selva colombiana” Ingrid Betancourt. Um dos melhores livros que eu li nessas férias, se não for o melhor.
A autora conta toda sua saga durante seus sete anos sequestrada pelas Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). A suavidade e a força que ela demonstra durante todo o livro é impressionante e muitas vezes cheguei a mergulhar em seu mundo e sentir em sua pele o terror, a revolta, o medo e a angústia de estar passando por um momento tão doloroso como aquele. O drama real é extremamente impactante. Confesso que chorei em várias partes, principalmente nos relatos dos momentos de solidão, incompreensão e saudades longe de sua família.
São de lições como essas que precisamos estar em contato diariamente. Superação a cima de tudo e muita força e honra em se manter firme aos seus ideais mesmo que sua condição de vida sejam extremamente surreal. Ingrid Betancourt já havia me encantado com sua entrevista no Programa do Jô no ano passado, sua força e sua garra me surpreenderam, mas depois desse livro percebi que seus valores haviam se multiplicado depois de tudo que passou.
Muito mais que uma lição de vida o livro se torna um conforto para nosso egoísmo rotineiro. Força e Honra. Eu recomendo.

terça-feira, fevereiro 15, 2011

Eu sei, mas não devia

"Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma."



Marina Colasanti

(1972)

Texto do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.






quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Vejo folhas verdes ao redor. Um dia quente, porém nublado. O ócio inspirador bate a porta. Uma folha em branco ganha toques de frescor.

Sentado ao lado de uma garrafa d’água e aos pés o chão. Como voar em tinta negra sem tirar o peso das costas? Dois gatos ao redor dormem como se esse dia fosse o último, mas é somente mais um dia.
A vontade de se libertar se contrasta com o medo de não conseguir. O não é eletrizante, te prende, te move, te sufoca te liberta. A cada dois nãos um sim.
É não adianta nem tentar, você foi pego. O peso que te mantém no chão é o que te sufoca aos poucos. Talvez o momento seja de parar de refletir.
Sempre nessa época do ano, na qual o sol escalda e o vento inspira, os momentos são mais intensos. Essa sina de intensidade ainda nos comove me leva a imensidão, aos sentimentos que convivo diariamente. Ao passo que mergulho, não quero mais voltar. Ao passo que me engole não quer mais me soltar. E lá vamos nós de novo.