quinta-feira, maio 29, 2014

Aperto do tempo



Aperto do tempo

 

Vindo da sombra.

Rastro que zomba.

Reflexos conexos

espelhos de lua.

 

Vinda do dia

me traz poesia,

pele macia.

 

Ao passo do vento

és sofrimento;

 

Ao canto do pássaro:

prende,

me vira,

num rastro.

 

Terra, brilha.

Ilude, excita.

 

És como a vida:

num passo

um compasso,

num falso

acolhida.

 

Ponto, meu guia,

me cria.

 

Me pego em seus olhos

oh triste

linda,

menina.

~~

(Poema feito para a oficina de escrita criativa da Casa Mário de Andrade)

E a poesia me descobriu...

segunda-feira, maio 19, 2014

Jabuticaba



A jabuticaba em sua boca.
Sentido que me deixa louca
O avental, a mesa.
o elástico solto.

Olhar hipnótico,
sorriso simplório.
Brilho constante.

Toque envolvente,
ouvido presente.
Aqui e agora.
Te quero,
não demora...

quinta-feira, maio 15, 2014

Polvo



Todos os rostos
Pouco negro,  pouco branco
Um cor de rosa
Uma cor de jambo

Um pálido embaço de uma indecisão
Moreno claro, negro desbotado, castanho amarelado
Cor de outono, cor de junho

Essência negra
em uma pele que se quer branca

Eis um cenário onde todo azul
quer ser verde
onde todo preto
quer ser branco

Eis uma essência de múltiplas cores
transvestidas em rostos
transbordando o emaranhado de toda uma gente

Uma essência de rosas
salmão, marrom
alvo amarelo

O mesmo rosto,
diversas marcas de uma mesma
descrição

Sou da cor do povo
polvo
um mesmo coração



~~

Esse poema, sem rimas, me veio enquanto observava a exposição Polvo de Adriana Varejão. Porém, não é preciso rimar quando se precisa apenas encaixar as palavras a seus sentidos. Galpão Fortes Villaça, até 17/05.

sexta-feira, maio 02, 2014

Exigiria do tempo essa fatídica ideia de que o agora e o para já fossem menos dolorosos para aqueles que vivem da ociosa paixão de esperar.

quinta-feira, maio 01, 2014

Devaneios de domingo


Thássia Moro

Era tarde de domingo de primavera, exatamente 15:33. Um dia comum, como a maioria dos dias. As flores no jardim davam a falsa impressão de comodidade, eram belas, coloridas e se espremiam por um espaço ao sol no pequeno canteiro ainda não revirado. Lá estava ela, sentada a beira do jardim, mexendo nas flores. Parecia destoar da paisagem, a rua em movimento, mas calma, e ela lá em seu canto costumeiro, ia sempre revirar o jardim do prédio. Ele a observava, cheio de interesse e uma espécie de desprezo. Parecia louca, perdida em pensamentos. Não sabia até hoje por que nunca ninguém havia a impedido de mexer em um ambiente da área comum, será que pensavam que ela o arrumava? Para ele parecia que ela o deixava em pedaços toda vez que se sentava ali. De um lado para o outro, a cabeça em movimento, como uma dança que só ela sabia.
Ela era a vizinha de algum andar, não sabia ao certo qual, cruzará uma ou duas vezes nas escadas e no hall. Parecia que nunca pegava o elevador. O prédio não era alto, nem haviam tantos apartamentos, mas não sabia qual ela morava. Tentará indagar o porteiro, mas de tão distraído ao futebol e a vida alheia, temia ser mais um assunto na seleta lista fofocas dos condôminos. Preferia a descrição.
Nunca trocara uma palavra, nem bom dia, nem boa tarde, muito menos boa noite. Nunca a vira de noite. Apenas uma vez se entreolharam, simples. Olhos escuros, profundos. Cabelos negros, ondulados como o mar, bonita feito uma oferenda a Iemanjá. Era assim que gostava de imaginá-la. Perdia-a pela rotina, mas quando chegava domingo tirava-a dos devaneios e das gavetas do cotidiano. Quando chovia ela não vinha, sumia feito fumaça. Uma nuvem de comparações. Gostava do céu aberto, do sol na pele. Branca feito uma nuvem de dias de verão. Nunca se escondia dos raios, por mais fortes que fossem, eles pareciam não se arriscar a machucá-la, não ficava vermelha, nem bronzeada. Talvez um pouco corada, mas de longe não podia ter certeza, apenas imaginava.
Em tempos normais teria descido e tirado ao menos duas palavras daquela boca, mas hoje não. Talvez na próxima semana. Perderia o ângulo do balançar silencioso da cabeça em seu vai e vem enquanto retirava uma planta morta, uma erva daninha. Intitulara como uma contemplação. Algumas vezes colocava uma música ao fundo e passava horas observando-a. Um sorriso no canto do lábio, pequeno. Como se a conhecesse, como se permitisse o momento de solidão e prazer que a mantinham naquele jardim.

Algumas vezes achava que ela plantava e arrancava a mesma flor repetidas vezes, mas quando passava observando no outro dia notava que não, ela apenas abria o espaço para os pequenos brotos nascerem.


(Continua...)